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29 de setembro de 2006

07 - Estórias no Sofá - Um casal qualquer - 1 de 2

Meu nome é Oliveira da Silva, tal e qual nome já tinha sido do meu pai e do pai dele. Falta mesmo originalidade quando nos baptizaram ou então tinham um sonho de criar um império qualquer e fazer assim como uma dinastia onde não se precisa gastar dinheiro a fazer novas placas lá no gabinete do director. Sei lá eu que nunca se falou nisso. Eu não goto que o meu dia de hoje seja igual ao de ontem nem de anteontem e coisas de repetição não vão comigo à bola. Emprego comigo é só mesmo por obrigação. Me iam chamar de vadio e isso eu não gosto. Ando nos quarenta mas acho mesmo a minha cabeça parou nos vinte e um. Mas isto é eu falar de mim, que pode não ser o mesmo que o vizinho me vê.
Quem me vê me vê como gente vulgar e não como o génio que eu sei que sou. Apenas eu sei e a minha Marcolina acho que também sabe. Pudera, vivendo comigo faz tantos anos, se não souber é porque anda distraída.
Todos os pretextos são bons para faltar ao trabalho e ontem foi mais um dia de falta, justificada de papel passado e tudo. Sim que eu não sou para invenções de indisposições súbitas e coisas e tal.
De manhã fui levar a minha mãe ao hospital e aproveitando a volta resolvemos passar no cemitério para ver como estão as flores que o coveiro plantou no túmulo do meu pai, Oliveira e Silva, falecido faz mais de quinze anos de coração parado assim num repente instantâneo. Se calhar ele tinha pilhas não alcalinas e elas deram o berro antes do tempo com aquele ácido todo a lhe encharcar o coração, que desistiu de bater assim afogado nos ácidos.
E sempre que vamos ao cemitério e ficamos num olhar de silêncio a olhar para a lápide. Como sempre, minha mãe começa a reflectir sobre a vida e a morte.
Me disse ela que no dia do Juízo Final todo mundo que está aqui nestes túmulos se vão levantar e começamos a imaginar a confusão que vai ser.
À minha cabeça vieram aquelas cenas do filme " Os Mortos-Vivos" com mãos empurrando as lápides e corpos apodrecidos a saírem das covas.
Fiquei intrigado e perguntei à minha mãe como ela podia imaginar uma coisa daquelas. Ela, num repente, como se já esperasse a minha pergunta remata que está escrito que os mortos acordarão do descanso para serem julgados pelas suas obras.
Perguntei de seguida se eles iam ressuscitar dos ossos que ficaram e os que tinham sido cremados como é que ia ser.
Ela me respondeu que ressuscitam só, já que o corpo não é mais que o templo do espírito.

Sanzalando

2 comentários:

  1. OLÁ CARLOS:

    Hoje preciso muito de miminho...vim refugiar-me na tua sanzala, para me enroscar junto a TI.
    Esta musica deixa-me inebriada, mas é disso que preciso, de não pensar em mais nada... esquecer este Mundo-Cão.
    Para me entenderes, terás que visitar o kalinka. Aguardo a tua opinião, sobre o assunto.

    Sobre este post:
    achei imensa grça à tua frase: Falta mesmo originalidade quando nos baptizaram ou então tinham um sonho de criar um império qualquer e fazer assim como uma dinastia onde não se precisa gastar dinheiro a fazer novas placas lá no gabinete do director.
    Estás cheio de inspiração.
    Parabéns por TUDO.
    Beijo. Bom fim de semana.

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  2. "Quem me vê me vê como gente vulgar e não como o génio que eu sei que sou."-----perfeito!
    SJB

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