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9 de outubro de 2006

09 - Estórias no Sofá - Uma estória de Miserela - 1 de 3

Era tarde de uma noite lá muito para trás.
Só agora te conto porque só agora me apeteceu abrir o meu livro de interiores. Está desarrumado, é verdade, mas como abro poucas vezes para visitas guiadas, quem se vai importar com isso? Eu pelo menos não, Não fosse o meu nome Gervásio, não fosse eu um cidadão de todos os costados e mais alguns que nem são quantos são, que nem ligo para dentro de mim.
Mas te contava eu que uma noite já bem tarde. Se podia dizer que madrugada já era, embora ainda não se visse um rasgo de sol.
Vínhamos de uma festa, como íamos a tantas festas já nem me lembro direito qual era a festa donde a gente voltava. Ela, carregada na sua gravidez pediu um gelado. Mulher grávida também arranja apetites a qualquer hora.
Me lembrei dos meus tempos de boémia nocturna, de uma roulotte que fica toda a santa ou pecadora noite aberta.
Dirigi-me para lá. Podia tentar dizer-lhe para aguardar por amanhã. Mas como a conhecia e mais os seus desejos gravídicos, pensei que o gelado não podia esperar. Tem de ser e tem muita força. Carregado no meu silêncio lá fui guiando contrariado na esperança que os tempos não tivessem mudado assim tanto e a roulotte ainda subsistia no mesmo canto de sempre, com a mesma freguesia de sempre.
Estava no mesmo sítio, tinha o mesmo aspecto e fundamental era que estava aberta.
Lhe disse para irmos.
Eu vou ficar no carro, disse-me ela com a sua voz carregada de sono misturado com mais qualquer coisa que desentendi.
Foi a última coisa que me disse antes de desaparecer.
Lá fui eu para o balcão alto e aguardei pacientemente a minha vez. Fui pensando que gelado lhe ia apetecer. Levasse eu qual que fosse ela ia dizer que não era aquele. Sempre assim foi e sempre assim será, só para me contrariar ou para se contrariar a ela mesma. Vai ser um de chocolate. Ou será um crocante de qualquer coisa?
Gostaria de dizer que tive assim uma espécie de premonição que ela poderia estar a correr perigo. Mas a verdade é que não. Demorei-me pacientemente na escolha. Foi uma escolha sem pressas. Chocolate ou crocante? Maldita dúvida. Se eu levasse um ela ia dizer que queria o outro. Mas só levo um. Jogo na sorte.
Escolhi o chocolate. Assobiando uma canção mais antiga que eu, lá fui ter ao carro, certo que a minha mulher e meu projecto de filho estariam em segurança. Vais ver ela deve ter adormecido. Anda tão cansada que qualquer sítio é bom para passar pelas brasas e, a esta hora tarde da noite, mais convidativo será.

Sanzalando

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. Muito interesante. E então gostou do gelado? Espero pela continuação! Apercebendo-me que fui linkado e porque a Sanzala me pareceu interessante, retribuo incluinda-a no meu «blogroll». Já agora atrevo-me a sugerir que inscreva o seu blog num dos directorios internacionais de blogs mais importantes. Obviamente «is free» ou como diz o outro não custa nada Muito interessante. E o gelado? Espero pela continuação! Apercebendo-me que fui linkado e porque a Sanzala me pareceu interessante, retribuo incluinda-a no meu «blogroll». Já agora atrevo-me a sugerir que inscreva o seu blog num dos directorios internacionais de blogs mais importantes. Obviamente «is free» ou como diz o outro não custa nada TTLB System

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