A Minha Sanzala

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30 de outubro de 2006

a8 - Estórias no Sofá - O deserto

Me contaram e eu reconto num encontrar de areias de memória
Uuma lenda da terra dos horizontes infinitos, onde existe algo de espantoso e belo naquele Deserto, naquela imensidão de areia a perder de vista, uma miragem, fico sem saber, decerto, do que se trata, porque nesse areal se tranca uma aragem de séculos, como se resguardasse curiosidades alheias e protegesse melhor os seus segredos e mistérios.
O Deserto, o Sol e o Vento.
No princípio, era o Deserto; e o Sol amava-o, ternamente, todo o dia. No princípio, o Deserto era liso, todo aberto à luz do Sol, que o abraçava, estreitamente, todo o dia. O Deserto era quente e brilhante e vivia numa passividade feliz - quieto e silencioso.
De noite, o Sol queria o Mar, e o Deserto dormia sozinho, na escuridão. Mas guardava o calor que o Sol lhe dera. E vivia quieto e silencioso, numa passividade feliz.
O Vento chegou de noite, quando o Deserto dormia.
Olhou o Grande Deserto solitário. Soprou-lhe devagarinho, num beijo de aragem...e o Deserto sentiu um arrepio e acordou. O Vento soprou com mais força e o Deserto estremeceu.
Quando o Sol, de manhazinha, voltou, abriu muito os olhos e empalideceu.
Alguém passara a noite com o Deserto: em vez de areal sem forma, que se deixava doirar passivamente, era um Deserto novo, de dunas altas, belas e orgulhosas que recusavam ao Sol uma das faces.
Então o Deserto afirmou sem pestanejar:
- A minha vida, Sol, recebia-a do Vento. A minha vida é areia em movimento e o som que dela se desprende eu guardo em mim.
O Sol muito zangado respondeu:
- O movimento é dor; o som é queixa.
O Deserto muito firme termina este diálogo, respondendo:
- Aceito a dor que é vida; e cantarei, no braço do vento, a dor e a alegria de criar, com ele, as minhas dunas.

Sanzalando

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