A Minha Sanzala

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17 de outubro de 2006

11 - Estórias no Sofá - O rubor da mentira - 2 de 2

Respondi-lhe que descansava de um dia de trabalho demasiado cansativo e que me sentia angustiado e nostálgico, enquanto o fazia com a voz carregada de emoção, da mentira e do prazer, manobrava os dedos de forma a desenvencilhar-me da aliança que teimava em não me sair do anelar. Atabalhoadamente tricotava os dedos de forma nervosa e complicada, gestos vãos.
Num gesto rápido e inesperado, pela primeira vez, virou a cabeça na minha direcção, mostrando uns lindos olhos de azul inocente, para dizer que ia ali todos os dias àquela hora, num ritual que se habituara a cumprir fazia anos.
Eu sabia que ela me tinha visto na tentativa velhaca e infrutífera de tirar a aliança, e ao ser apanhado, tinha ficado envergonhado enrubescendo desmesuradamente, como sempre me acontecia quando era apanhado em falta. Ela não desviava a cara, e eu não era capaz de a encarar, refugiando o olhar na linha agora negra do horizonte, esperando que o ar de fim-de-tarde num sopro arrefecido me devolvesse a cor original e entregando-me à simples matemática da contagem das ondas, tentando não me culpar em demasia. Eu era homem e ela uma mulher belíssima, a tentação tinha prevalecido, objectiva e subjectiva como todas as máscaras da alma humana.
O silêncio pesado durava há muito quando ela me perguntou.
- É casado?
O rubor voltou ainda mais desconfortável, punindo-me de forma drástica, enrubescendo-me até a voz que já não era melodiosa nem limpida.
- Sou e tenho dois filhos, acrescentei eu numa rapidez como que a penitenciar-me, já que o propósito que me havia passado pela cabeça estava frustrado.
- Ama a sua mulher? voltou a perguntar-me na sua cândida voz.
Após um instante respondi-lhe que sim, não valia a pena mentir-lhe, só faria papel de estúpido se negligenciasse a sua inteligência.Estendeu a mão para me cumprimentar disse:- Chamo-me Eduarda, e sou cega de nascença.

Sanzalando

4 comentários:

  1. A mentira e o destino traçam cada destino...

    I.

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  2. Não uso aliança,
    Não tento passar por solteiro,
    E não risco o fósforo fora caixa!...

    Nelsinho:)

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  3. Vim, curiosa do fim.
    Foste mesmo bem! (na escrita, claro!)
    Desculpa-me a franqueza, mas... decididamente as "estórias no sofá" em vez do "zulmarinhando" (LOL)
    Fico à espera da próxima. Tens leitora.

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