recomeça o futuro sem esquecer o passado

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18 de outubro de 2006

12 - Estórias no Sofá - O Tédio - 1 de 2

Horácio tinha que a morte era um passado carregado de incertezas dolorosas. Tinha a certeza que não morreria mais. Se tal ainda não lhe tinha acontecido até aquele instante, não mais lhe iria acontecer.
Estava cansado da vida, das coisas quotidianas, de conhecer cada canto do mundo, de aprender todas as línguas do mundo, de ter mulheres diferentes em todos os cantos do mundo. Estava cansado de olhar para a sua cara ao espelho há mais de duzentos anos, refez seu rosto muitas vezes em plásticas, mas se enjoava assim mesmo porque qualquer que fosse a forma era ele por trás daquela máscara. Estava farto de se ver, estava farto de si. Acabara-se a paciência para se aturar.
Tentava morrer e não morria. Saltou de prédios sem pára-quedas, deu-se-lhe tiros em todos os pontos mortais, bateu com vários carros contra vários muros, saltou falésias, apanhou na rua tanta sova porque se meteu com todos os bandidos que encontrou. Mas não conseguia morrer.
Foi para guerras, para o espaço, andou de avião atrás de um desastre. Ficou amigo de vários videntes para tentar saber sobre os atentados terroristas e ia acompanhá-los. Era sempre o único sobrevivente. Pegou doenças incuráveis, mas não morria.
As pessoas que com ele cresceram já estavam todas mortas, ninguém acreditava que ele já passava dos duzentos anos. Mas com todas as desventuras, ainda tinha muitos amigos. Não podia queixar-se de nada. Buscava motivos para morrer, brigava com os amigos, com as mulheres, mas todos sempre o perdoavam e juravam que era ele que estava certo.
Único motivo que encontrou para morrer era a sua própria vontade de o fazer.

Sanzalando

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