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15 de outubro de 2006

10 - Estórias no Sofá - A carta - 3 de 3

Um amigo que se cruza comigo pergunta-me onde vou. Não lhe sei responder porque nem eu sabia para onde ia.
Andei num andar desnorteado, desarrumado. Círculos, quadrados. Tudo fiz nesse caminhar. Perimetrei quarteirões, contornei rotundas.
Caminhei por sentidos sem sentido, caminhos contrários para perceber as divergências.
Entrei num supermercado e dirigi-me às bebidas. Escolhi um vinho sem qualquer critério consciente. Simplesmente era tinto. Paguei-o e saí.
No passeio verifiquei que não tinha saca-rolhas. Para que me serve uma garrafa de tinto se não a consigo abrir. Mas será que a quero beber?
A carta ainda estava ali comigo, dentro da cabeça. O que será que ela contém? Caligrafou-a ou dactilografou-a?
Passei num cinema no momento em que saíam todos de lá de dentro. Assisti à saída do cinema. Todos se faziam acompanhar. As últimas vezes que fui ao cinema fui sozinho. Assistindo à saída do cinema eu e a minha garrafa de tinto fechada porque seria estúpido empurrar a rolha para dentro.
Me pus a caminho de casa desta vez seguindo um caminho mais recto, decidido a dar algum destino à carta. Ainda estava em dúvida se devia lê-la ou não.
Precisava confirmar se os meus pensamentos estavam correctos. Uma desculpa, alegando qualquer coisa. Um pedido que voltássemos a conversar, por sentir a minha falta. Talvez tivesse percebido ter feito algo errado, mas que não era essa a sua intenção. Se explicaria com palavras amáveis?
Neste caminhar alguém me olha de forma estranha. Queres ver que estava a falar alto comigo?
Impossível abrir a carta. Frouxo dir-me-á mais tarde se souber que eu li a carta. Ela tem de passar sem ser lida.
Desgraçada.
Desfaço-me da garrafa. Abro a porta de casa e vou directo à caixa. Agarro na carta. Olho-a sem a abrir. Deve dizer-me que eu sou isto ou aquilo, que deixei de conversar, que deixei de ser o simpático de outros tempos. Injustiças.
Pego no isqueiro. Queimo-a.
Olho espantado para o fogo das minhas dúvidas.
Olho-me queimando a minha dúvida.
Posted by Picasa

3 comentários:

  1. Pôxa, até eu fiquei curioso pra saber o que tinha na carta. E o vinho tinha que ser aberto e bebido lendo a carta.
    abraço do Kafé.

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  2. Conterra

    Mi disculpa só mas assim mesmo estás a gozar connosco né? Estás a querer dizer que homem não tem o bichinho da curiosidade?!!!! "mi engana que eu gosto"...
    O suspense está a acabar tipo "terror" ! eheheh
    Bem podias ter atirado a carta em garrafa pelo zulmarinho...apanhavamos aqui e te contavamos a escrita dela, quem sabe com os balanços da viagem vinham elogios nela?
    Beijo com saudade
    Armanda

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  3. Kafé:
    - fico contente por você ter ficado curioso com a carta, é sinal que cumpri o meu desígnio. Grato pela visita e vai dando palpite sempre que eu gosto

    Armanda
    - Pois como sou curioso queimei a carta mesmo para não cair na tentação lololol - ficcção tem essa vantagem

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