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1 de novembro de 2006

14 - Estórias no Sofá - Nasceu em dia não - 1 de 2

Mal nasceu começou por levar uma valente palmada. Nascera roxa e não queria entrar no mundo a respirar. Tal como entrara, dele queria sair. Silenciosamente. Mas a palmada foi providencial fazendo-a gritar e chegar ar aos pulmões.
Me contaram que enquanto foi bebé sempre o foi com inteligência. Me disseram mesmo que foi um anjo. Talvez por isso, sabendo o que lhe esperava a vida, quando nasceu não queria respirar.
Era bonita. Ainda o é, mesmo sendo uma mulher de olhar triste.
Aos 14 anos descobriu, num ataque que apareceu sem avisar, que era epiléptica. Depois desse primeiro outros lhe foram seguindo, cada vez mais curtos nos seus intervalos. Eram cada vez mais fortes, daqueles que se perde a consciência e se maltrata o corpo das sucessivas quedas.
Foi um desespero desesperado porque, onde devia ter encontrado apoio, carregado de preconceitos de classe média, a família tinha vergonha dela. Só mesmo o seu irmão, bem mais velho, lhe dava o ombro, numa cúmplice clandestinidade. Fez exames, submeteu-se a testes, carregada de esperança de um dia melhorar. Acabou adaptando-se à doença, que na altura não sabiam controlar.
A um dia se foi seguindo outro. Dias cinzentos e sem promessas de mudança.
Apaixonou-se. Iniciava o namoro, sempre se escondendo da sua realidade.
Entrou na Universidade. Cursou sem aparentes problemas. Muitas complicações escondidas debaixo de uma carpete de uma sala de solidão qualquer, muitas lágrimas vertidas na fronha de uma almofada no silêncio da noite.
Afinal de contas era mulher de pensar no futuro. A única da família que lhes deu orgulho. Ela, a excluída. Seus irmãos, três machos viviam de o serem, ainda a contas da mãe e do pai.

Sanzalando

1 comentário:

  1. Viva Carlos:

    É uma história que pode acontecer a qualquer um/a.
    Pena é que, por vezes, as pessoas sejam suficientemente estúpidas para não compreenderem a situação de quem passa por esse tormento.

    Um abraço,

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