Tantos sonhos pesadelados num caminhar de sofrimento e choros calados.
Já ninguém liga à arte.
Que bonito, lembra-se ela de tantas vezes ter ouvido num equilíbrio estético. Mas de exposição em exposição os sonhos iam diminuindo, os pesadelos subiam no gráfico da vida. A alegria de pintar ia-se dissolvendo na raiva de se sentir coleccionadora das suas telas. Aos poucos foi trocando o acariciar dos pincéis em telas pelo conforto de ser mãe. Umas, duas, três crianças foram enchendo o minúsculo apartamento.
O chefe de família, antigamente dono passara a assalariado precário numa multinacional que se ouvia dizer ia mudar de ares.
Antes de aparecerem os primeiros cabelos brancos, entusiasta do martelo e escopro batido na pedra, material de soldar em ferros buscados aqui e ali, na mestria de transformar o bruto no belo, nem uma exposição havia conseguido, nem uma venda havia consumado porque falharam as várias promessas de encomenda. Recusara ser um imitador. Ele, génio da imaginação, fazer arte pela cabeça de outros, era pecado mortal. Na massa cinzenta ficaram gravados muitos esboços pensados e nunca levados para o esforço dos braços.
Ambos se tinham conhecido no fulgor do entusiasmo da arte, tertúlia de jovens cabeludos, utópicos seres irreais em busca de um mundo melhor. Os sonhos se haviam misturado. A garagem transformada num pequeno atelier. Os fins de tarde passados na criação do belo, noite dentro discussão dialéctica, estética e outras éticas.
Lentamente, indelével, se foi instalando o desânimo.
Ele foi o primeiro a pôr de lado a sua vontade de construir um mundo mais belo. A sua loja de material informático cada vez mais pequena nos números. As grandes superfícies deixavam para ele apenas o cliente acidental, a compra do emergente tinteiro, o cabo cujo terminal se tinha deteriorado num erro de instalação. Crescia o espectro da falência no mesmo ritmo que diminuía a vontade de transformar objectos, transfigurar o dia a dia. Se apagara a gargalhada sonora que lhe tornara conhecido ainda vinha longe.
A tertúlia se foi dissolvendo na cidade global.
Ela aguentou-se por mais tempo naquela garagem fria de Inverno e fervente de Verão. Uma ou outra vez a convidavam para uma exposição colectiva. Um, dois quadros vendidos e lá se equilibrava a balança. Mas os convites foram rareando até que se acabaram.
A garagem foi alugada a um vizinho que prosperava na vida e precisava de espaço para albergar o seu bólide. Sempre era uma ajuda para o supermercado. Os pincéis foram transferidos para a sala, que durante a noite se transformava no atelier. Cada dia que passava eram menos utilizados, até o não serem por completo. Passara das artes plásticas para a dona de casa aprumada.
Já ninguém liga à arte.
Que bonito, lembra-se ela de tantas vezes ter ouvido num equilíbrio estético. Mas de exposição em exposição os sonhos iam diminuindo, os pesadelos subiam no gráfico da vida. A alegria de pintar ia-se dissolvendo na raiva de se sentir coleccionadora das suas telas. Aos poucos foi trocando o acariciar dos pincéis em telas pelo conforto de ser mãe. Umas, duas, três crianças foram enchendo o minúsculo apartamento.
O chefe de família, antigamente dono passara a assalariado precário numa multinacional que se ouvia dizer ia mudar de ares.
Antes de aparecerem os primeiros cabelos brancos, entusiasta do martelo e escopro batido na pedra, material de soldar em ferros buscados aqui e ali, na mestria de transformar o bruto no belo, nem uma exposição havia conseguido, nem uma venda havia consumado porque falharam as várias promessas de encomenda. Recusara ser um imitador. Ele, génio da imaginação, fazer arte pela cabeça de outros, era pecado mortal. Na massa cinzenta ficaram gravados muitos esboços pensados e nunca levados para o esforço dos braços.
Ambos se tinham conhecido no fulgor do entusiasmo da arte, tertúlia de jovens cabeludos, utópicos seres irreais em busca de um mundo melhor. Os sonhos se haviam misturado. A garagem transformada num pequeno atelier. Os fins de tarde passados na criação do belo, noite dentro discussão dialéctica, estética e outras éticas.
Lentamente, indelével, se foi instalando o desânimo.
Ele foi o primeiro a pôr de lado a sua vontade de construir um mundo mais belo. A sua loja de material informático cada vez mais pequena nos números. As grandes superfícies deixavam para ele apenas o cliente acidental, a compra do emergente tinteiro, o cabo cujo terminal se tinha deteriorado num erro de instalação. Crescia o espectro da falência no mesmo ritmo que diminuía a vontade de transformar objectos, transfigurar o dia a dia. Se apagara a gargalhada sonora que lhe tornara conhecido ainda vinha longe.
A tertúlia se foi dissolvendo na cidade global.
Ela aguentou-se por mais tempo naquela garagem fria de Inverno e fervente de Verão. Uma ou outra vez a convidavam para uma exposição colectiva. Um, dois quadros vendidos e lá se equilibrava a balança. Mas os convites foram rareando até que se acabaram.
A garagem foi alugada a um vizinho que prosperava na vida e precisava de espaço para albergar o seu bólide. Sempre era uma ajuda para o supermercado. Os pincéis foram transferidos para a sala, que durante a noite se transformava no atelier. Cada dia que passava eram menos utilizados, até o não serem por completo. Passara das artes plásticas para a dona de casa aprumada.
Sorriso transfigurado na envelhecida cara mostrava um sonho que foi sonhado.
Sanzalando
Acabou mesmo no fim?
ResponderEliminarSJB