Olho o zulmarinho. Ele está ali. Sereno, alucinadamente ouço-o como que a chamar-me numa voz doce que nem na mais serena das recordações encontro igual. Voz inimitável. Irresistivelmente enamorada. É mesmo a doce voz do amor.
Sento-me na esplanada, boa parte da manhã dediquei-me à escolha da garrafa perfeita para enviar as minhas mensagens. As mensagens que quero que a corrente do meu contentamento, emaranhadamente no zulmarinho, mas leve até ao início dele. Não quero uma garrafa qualquer, transparente e impessoal. Tenho especial preferência pelas garrafas verdes e também pelas de cor de âmbar. Revirei armários, estantes e caixotes e fico espantado com o facto de que os fabricantes têm substituído as embalagens de vidro por embalagens de plástico. Onde fica o encanto desta vida em que a beleza perde o seu lugar para a coisa prática? Esvaziei algumas garrafas que estavam pela metade, coloquei umas três ou quatro lado a lado, a fim de que pudesse escolher pelo critério da comparação. Sem qualquer explicação aceitável para esta atitude que mostra um misto de infantilidade e de esperança infundada. Quiçá um desejo recôndito.
Talvez as birras bebidas em outras esplanadas, noutros tempos, noutras dimensões. Mas acho que não bebi tanto assim, que tenha passado a ser um alucinado perfeccionista.
Mas escrever a mensagem. Que mensagem devo eu escrever. Quem lerá aquilo que eu escrever? É para ser lida por alguém, afinal? Há alguém especial que eu queira que leia a mensagem que irá pelo zulmarinho, na garrafa que perfeitamente escolhi usando a comparação?
Há que considerar, ainda, os efeitos das marés, da lua, dos ventos e do destino. Talvez ela chegue ao Brasil, pare por Cabo Verde, fique em S. Tomé e nunca chegue ao início do zulmarinho. Na verdade tal facto não me importa realmente. O que me importa mesmo é que eu tente que ela chegue lá, no lá que é o início da vida, o principio da minha existência, no lá que é o meu sonho. Eu preciso de me livrar da frustração, da dor, da decepção, do arrependimento e mesmo até do amor que persistentemente pulsa dentro de mim.
Sanzalando em AngolaCarlos Carranca
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