"Fio": Um café na Esplanada
carranca
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Usando as garrafas...fazendo novo o Zulmarinho - II Hoje, 19:51
Forum: Conversas de Café
Decidido, pego num maço de papel, de aparência envelhecida e de cor levemente amarelada. Por momentos não faço contas ao tempo que demoraria a chegar ao destino. Ao destino sorteado na lotaria de ventos e marés. Mas seria romântico se fosse escrito à mão, com uma letra impecável, com a caligrafia desenhada do tempo dos meus avós, contudo, será com demasiado esforço que conseguiria. Ainda pensei bem em imprimir a mensagem, o que não tiraria dela a essência, mas apenas o charme. Mais uma decisão para a última hora. Preparo o cenário perfeito para a execução do acto solene. Abro uma garrafa de vinho tinto. Escolhido pelo preço e não pela qualidade. Afinal não tenho nenhum conhecimento sobre o assunto e concluo que se é caro é bom. Sei que posso errar, mas... Torço para que seja realmente bom.
Sobre a mesa de madeira queimada pelo sol que tantas vezes passa quente por esta Esplanada disponho à minha frente as três garrafas pré-escolhidas, ao que lhes junto a quarta, a do vinho acabado de pedir. Mais próximo de mim, a taça, meia cheia ou ainda meia vazia. Ponho a tocar um CD do João Afonso, Missangas. Da primeira à última faixa, ininterruptamente, e com a função de repetir indefinidamente, tantas quantas fossem necessárias. Um ritual disfarçável, uma tentativa de estar fisicamente longe sabendo que a mente estava já lá, no destino preconcebido porem não sei se atingível.
Abro totalmente a janela grande que me separa do zulmarinho e da sua praia, de modo a ficar com uma visão panorâmica desse salgado que é ao mesmo tempo a minha alma e a minha barreira. Sinto o cheiro característico, a brisa e o vento já quase frio do final da tarde. Ouço ao longe vozes falando alto e cantando. Abstraiu-me de todos os sons, abstraiu-me de todas as influências externas.
Bebo duas taças de vinho como se água fosse, apenas para sentir o clima apoderar-se do lugar. Agora é apenas a mesa, a cadeira, as garrafas, o vinho, o maço de papel, as músicas, a janela imensa, o zulmarinho, eu e o sentimento que já transborda. Ponho-me a escrever.
Sanzalando em AngolaCarlos Carranca
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