recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de junho de 2006

Fotos de olhar

Aqui sentado, nesta poltrona de rocha esculpida pelas forças ocultas do zulmarinho, nos dias de zanga lá dele, olho a linha recta que é curva e digo-me que gosto de fotografias. Principalmente das que eu faço com os olhos, lhes dando um colorido, um movimento e um calor que às vezes não é igual à da realidade, mas é assim que eles fotografam. Não me canso de tirar fotografias com o olhar. É como se eu pudesse capturar a magia daquele instante exacto. Cada uma que eu olho, lembro-me exactamente da sensação que tive ao bater o clique. Estão todas aqui, junto com os papéis, na estante cerebral. Imutáveis e melancólicas como todos os meus papeis.
É-me sempre difícil recomeçar, mas não é caso para me juntar aos papéis e às fotografias numa pilha anárquica e geometricamente indefinida, à espera de ser rebuscado para uma utilidade qualquer.

DO PASSANTE AO BIGODES

A Cidade fervilha. Todos os dias se tem notícias de novos “investidores”.

Dos filmes aos “resorts” turísticos, passando pelos Bancos, tudo mexe...

O mercado informal de divisas cresce a bom ritmo, perante o conhecimento de todos e de ninguém. Tudo é transaccionado em notas estrangeiras, enquanto a dobra se “fortalece”.

As empresas (poucas) que cumprem as suas obrigações fiscais, regularmente, vêm passar os negócios ao lado, fruto da concorrência daqueles que não o fazem e que nem sequer são incomodados.

Aos poucos vai-se liquidando os negócios formais e legais, em favor de quem chega com malas de notas e tudo compra, até as consciências.

Paga-se sem factura ou recibo, na informalidade que atravessa o tecido social e económico.

Depois não se queixem que não há dinheiro para pagar aos funcionários públicos ou aos militares, porque quem cumpre as suas obrigações fiscais começa a sentir-se “enganado” nesta dança que anima a festa mas não vai cuidar do lixo que ficar.

Depois não esperem que se criem empregos quando se privilegia a volatilidade dos negócios, dos respectivos lucros e das relações, enfim, da vida.

Mas agora circula-se de uma ponta à outra da Cidade na procura da oportunidade de apanhar um pedaço do bolo desta noiva que namora mas não se casa.

Sentados no “Passante” avistam o caminho marginal que os leva para outras paragens. Talvez até ao “Bigodes”, quem sabe, observando as oportunidades que chegam do ar e pelo ar partem, como estação de quem marcou viagem para a festa.

Fruta podre, peixe podre, pano ruim... ... cinquenta angolares... ..porrada se refilares (assim cantava o poeta angolano).

MC



Sanzalando
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Forever

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29 de junho de 2006

Olhando no espelho de mar

Tem dias que gosto de me ver no reflexo do zulmarinho dos dias calmos e acontece que tem vezes que não me reconheço. Não sou eu quem está ali a me olhar. Não sinto aquilo que ali me envolve. Tem vezes que demoro muito tempo para me convencer, aceitar e até acreditar e gostar do que vejo. Demoro a me olhar e descobrir que eu sou um conjunto completo, complexo e bem entrosado. Sabe-se lá, uma máquina quase perfeita.
Isto, que vale, é que me passa depressa. Tudo passa sempre, até o autoconvecimento.
Hoje não me reconheço. E quando olho na calma do zulmarinho, não sei quem é que está ali agarrado na birra estupidamente gelada a lhe olhar com ar de admiração. É que eu acho que também não sei quem sou aqui...

NOITE DE LUAR

Nessa noite, uma daquelas noites africanas mágicas, falava-se das ONG’s espalhadas pela zona, das suas funções, do apoio prestado e do impacto da sua actividade no dia a dia daquelas gentes. O proprietário do empreendimento, um africano enorme em vontade de singrar na vida, queixava-se da falta de visão social de tais ONG’s, da pouca importância que davam ao desenvolvimento integrado e social daquelas gentes. Coisa estranha, a “cheirar” a mais uma teoria pretensamente africanista, onde o reconhecimento de quem ajuda é, por vezes, transformado em arrogância xenófoba. Mas o nosso espírito democrático, o convívio, a vontade de continuar pela noite fora e alguma curiosidade levaram-nos a ouvir atentamente aquele homem.

Dizia ele que sentia enorme dificuldade em contratar um motorista, pois mesmo pagando o dobro do que recebiam como funcionários públicos (cerca de 100 dólares por mês), pagando alojamento e alimentação no percurso, à parte, poucos aceitavam o trabalho, mesmo queixando-se do desemprego.

A principal razão para o sucedido residia na oferta das ONG’s (geralmente com orçamentos em divisas, geridas por expatriados), as quais, em vez de contratarem os serviços de empresas locais, ofereciam emprego temporário por contratação directa. Na ânsia de evitarem ser chamados de neocolonialistas, pagavam a um motorista cerca de 1.000 dólares mensais, pensando estar a contribuir para o desenvolvimento da população e elevação do respectivo bem estar.

Argumentava, então, o nosso interlocutor, como seria de esperar qualquer motorista preferia trabalhar apenas 6 meses para uma ONG pois receberia tanto como se trabalhasse para ele durante 5 longos anos, mesmo que o tal motorista permanecesse inactivo vários meses ou anos entre contratos.

Desta forma, o tal motorista adquiria uma capacidade financeira durante 6 meses impossível de manter pelos empresários locais, tendo em conta as condições económicas do País e a margem de lucro da comercialização de pescado.

Fácil era concluir que, acabado o contrato com a ONG, acabava-se o dinheiro gasto na ilusão de uma febre consumista aprendida rapidamente e os empresários locais continuavam a sentir dificuldades em desenvolver as suas actividades, ou seja, a independência económica ia definhando a favor da dependência das actividades caritativas das ONG’s, por mais bem intencionadas que chegassem aqui.

O exemplo não pode nem deve servir para todos os casos. Nessa noite também se falou da ajuda de ONG’s que tinham permitido salvar vidas e trouxeram dignidade a populações onde a ajuda pública não chegava ou era apenas residual e muitas vezes administrada segundo critérios de mero despotismo. Mas uma coisa é certa, aprendi naquela noite uma enorme lição de economia, dada por alguém que nem sequer pensava nesses termos, impossível muitas vezes de enquadrar nas teorias académicas das melhores universidades e que, geralmente, passa à margem dos quadros mesmo que africanos.

Bendita esta África prenha de esperança!

MC

Sanzalando

Tantas palavras por dizer...

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28 de junho de 2006

Aqui Há... ... Jornal

Continuo sentado no sentido de me sentir em descanso e não ter que te continuar a contar estórias só porque tenho obrigação de te contar.
Tenho pouco cuidado em conservar os papeis que vou coleccionando na forma de pilha para mais tarde usar. Cada simples folha de caderno, ou página solta, ganha de mim o maior prémio que lhe posso oferecer e que é juntá-lo na pilha, numa mistura de temas em que para achar um, que é o que eu quero, tenho de ler e reler todos até aquele que é sempre achado, mais cedo ou mais tarde, tendendo sempre para o tarde. A pilha é um só corpo, uma melancolica desarrumação. Uma estante cerebral se arqueia no peso dela.
Hoje te leio outro papelinho importante da minha pilha de papeis importantes.

AQUI HÁ... ...JORNAL

Aqui ao lado ficam os números, reais e implacáveis, sobre as variações do valor relativo do dinheiro.

Quem os sabe ler opina na sua consciência, na calada do seu íntimo.

A vida vai correndo, sem que a opinião conte, a explicação chegue.

Já dei por mim a censurar-me, justificando tal atitude com a necessidade de não ferir certas susceptibilidades, como se fossem as palavras as causadoras das coisas.

Estamos no período de graça do Governo, logo estamos à espera... ...de alguma coisa.

Enquanto isso, as notícias correm na rua, muito para além destas páginas, como se fugissem das limitações que o jornal lhes impõe.

Ninguém quer falar do incómodo com receio de perder o futuro que tarda. Desta forma, desapareceram das consciências as sombras do aumento da insegurança, da proliferação de negócio informal, da falta de meios e de estruturas, da ausência de planeamento e da carência de rigor, profissionalismo e ética.

Também pouco se fala da significativa diminuição da ocupação hospitalar com doentes de malária, notícia que deveria justificar festa, no mínimo. Mas depois como se compreenderia a manutenção de altos índices de absentismo, tanto nos organismos públicos como privados, faltas essas justificadas com a mesma malária que dizem em regressão. Das duas uma: ou a regressão não é real ou é fácil “comprar-se” um documento que ateste um paludismo oportuno, junto da entidade patronal. E assim nos vamos enganando a nós próprios.

Um amigo costuma dizer que tudo o que o dinheiro compra é barato

MC

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Sanzalando

Sou

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27 de junho de 2006

Na poltrona lendo retalhos da estante cerebral


Sento-me na minha poltrona de rocha esculpida pelas zangas do zulmarino. Cansado do vai e vem pela areia da praia que me escalda os pés sensíveis retalhados por carapaças de pele em vez de sola, imitando calos. Sento-me como os olhos amarrados para lá da linha recta que é curva, bem para lá, onde o meu corpo tem ganas de estar e a minha mente lhe vai travando nuns pecaminosos pensamentos de medo, numas formas ondulantes de pensar.
É sempre difícil recomeçar, desistir da inércia do repouso e da comodidade e queimar combustível no motor de arranque. Até há poucos instantes (tão infinitos esses instantes) eu mal me movia. Só o pensamento se movia em direcções aberrantes e convergentes. Ainda agora pus-me a revirar as coisas na minha estante cerebral. Não é muito o que faço agora, mas é muito mais do que fazia outrora. Encontro apenas lembranças. Lembranças do que fui, do que nem me lembrava ter sido e do que eu nem sabia que tinha sido. Lembranças do que eu gostava de ter sido encontro em pergaminhos amarelados pelo tempo. Cadernos, fotografias, cartões postais e de natal, papéis, letras, palavras minhas e também muitas palavras de outras pessoas. Pessoas que me passaram, em sua maioria, silenciosas na minha vida mas que deixaram a sua marca, me cicatrizaram o pensamento de forma indelével. Inclusive eu me cicatrizo na solidão de poder pensar. Ao acaso retiro um:
  • ASCENSÃO E QUEDA

    Conheci alguém, nestas andanças por terras diferentes, cuja vivência consistia em assegurar que os seus objectivos pessoais e profissionais definiam uma única estratégia, um único objectivo: vender uma imagem de santo no meio do fogo que ateava.

    De início, tanto os colaboradores como a família compraram tal imagem: as falhas, os erros, todos os pecados eram entendidos como motivos de união em volta de alguém que absorvia toda a ajuda e que, em palavras, gritava do alto que, no futuro, tal não iria acontecer mais, ao mesmo tempo que atirava para os outros o ónus de tais situações. Tal era a fé, que colaboradores e família sentiam-se culpados quando algo não corria bem.

    Os anos foram passando e a facilidade com que manipulava os outros aumentaram o seu sentido de impunidade, fez cair as barreiras que sustinham algum equilíbrio inicial e fomentou o atrevimento. Aos poucos, a gula, o egocentrismo tomaram conta da sua atitude.

    Os afectos, a protecção, o bem estar “comprados” à família e colaboradores passaram a ser desbaratados em antros de predadores, em meras frivolidades ou em momentos orgiáticos, onde a encenação tomava o lugar da realidade ali tão perto. Aquilo que pensava ser o seu poder mais não era que o seu vício, aquilo que via como protagonismo passou a revelar-se como um desempenho secundário e dispensável perante aqueles que lhe sugavam os bens e a alma.

    Só que a família e os colaboradores cansaram-se da escravidão em que se viram envolvidos e só nessa altura esse alguém constatou que naquele filme já nem sequer tinha lugar como actor secundário e viu-se aproximar o fim no meio do deserto que, sem dar por isso, tinha construído à sua volta. Mesmo assim recusava-se a entender a realidade e só se satisfazia com a notícia de que alguém, de entre os seus ex-colaboradores ou ex-família, continuava a sofrer por sua causa.

    Este pequeno enredo pode constituir a base de um guião para um filme ou outra forma de representação, aplicando-se à história de uma pessoa, de uma empresa ou, mesmo, de um País. Não diverte, antes nos faz reflectir sobre a realidade do nosso dia a dia, sobre o amargo das nossas vidas e sobre a natureza humana, como factor essencial das relações sociais, económicas e políticas.


    Encontram-se aqui os principais condimentos das tragédias gregas, mesmo não se referenciando a presença do Olimpo ou a intervenção de Zeus, o que mostra a universalidade e a intemporalidade dos conceitos. Só que nessa altura, os gregos antigos sabiam que tais representações pretendiam educar, evitando, pelo exemplo, que na vida real se enveredasse por tais caminhos. A ética constituía uma “ciência” que permitia tirar o maior prazer da vida, para nós e para os outros, conviver com os “deuses” e elevar-nos colectivamente.

    Hoje este enredo enferma de um realismo atroz. Uma vida com prazer saudável e baseada na ética só já quase existe como produto de entretenimento, de forma a não deixar esquecer que ainda aparecem por aí uns “idealistas” dispersos, quais gurus da felicidade ou palhaços deste circo contínuo. Por favor, não os “matem” porque já são espécimes em vias de extinção.
MC
Sanzalando

Quase se vê daqui, o Verão

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26 de junho de 2006

Maldita velocidade dos sonhos


Caminho para lá e para cá na irrequietude de quem nem apetece estar quieto. Vou enloucrescendo nestas andanças, nestas trocas de sonhos sonhados e vividos. Sonho contigo em cada passo que dou. Me imagino a dirigir-me para ti. Mas os meus sonhos não são um sonho qualquer. Tu não estás nua à minha espera. Tavas-te vestida das tuas vestes garridas, mostrando as tuas formas que me disformam só de imaginar-te. Senti-te a tua pele macia no contacto com a minha equilibrando a temperatura distinta de nossos corpos. Mas a temperatura faz pouca diferença nos sonhos e as imagens exibidas na mente, como no cinema do meu pensamento, as tuas proporções eram mais que reais, fazendo-me esquecer outras sensações e outras distâncias.
Nos meus sonhos eu te dirijo no meu querer, na minha vontade de te ter. A velocidade não é grande, eu sei que não é. Nos sonhos as velocidades não são reais e eu conduzo calmamente.
Não olho a paisagem que me rodeia porque os meus olhos só têm uma direcção e eu consigo sentir-te. Os meus olhos fixam-se mecanicamente à frente. Os reflexos são mínimos, indispensáveis apenas.
Uma das minhas mãos segura o volante da vida com tranquilidade e aparente segurança. A outra diverte-se nos seus desenhando rabiscos no ar como se fossem carícias no teu corpo que se movimenta suavemente debaixo de mim.
A velocidade continua na mesma constante, mas meu coração já só bate no ritmo da ansiedade, acelerado, bombeando um sangue já impregnado pelo perfume que é só teu, que me makumbou para todo o sempre.
Indiferente a percursos ou quilometragens, saboreio cada curva de minha anatomia no teu corpo. Divirto-me numa hipnose dupla.
Maldita velocidade dos sonhos.
Acordo tentando uma última carícia. És-me sempre assim mesmo, intensa e fugaz.

Sanzalando

A minha Janela redonda

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25 de junho de 2006

Mar de Domingo


Faço desenhos na areia de mil cores. Sinto a maresia entrar no corpo e sinto que ela quer fazer parte de mim.
Tal como o amor, o mar obriga.
Tal como o amor, o mar engana.
Este final de zulmarinho também se podia chamar de Contemplado. É-me impossível evitar a sedução de o olhar, impossível de não lhe estabelecer analogias analógicas com lugares comuns, impossível esquecer os poemas lidos sobre ele, em que ele se transforma no símbolo da viagem interior. Hiperbólico e tirânico, tal como o amor e a morte, o zulmarinho exige que se escreva sobre ele. Ele reclama vítimas e naufrágios, se zangado arrasa tudo que lhe esteja na frente. Em troca ele nos dá verdades celestiais, liga povos, é o motor primitivo da existência.
Domingo, bebo uma birra gelada e olho-o como se lhe quisesse ver as entranhas, ver-lhe o início dele como se ele fosse um cabo de fibra óptica.
É Domingo e eu estou nele a pensar em ti.

Sanzalando

O desertor

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24 de junho de 2006

Sentado na minha poltrona


Sentado na minha poltrona de rocha esculpida pela força do zulmarinho nos dias de rebeldia, agarrado na minha birra loira estupidamente gelada, envolta na sua garrafa cor de âmbar, vou vendo o mundo na curta distância que me separa do imaginário do realmente real. Os olhos se fixam na linha recta que é curva e sinto a tua presença aqui a meu lado, apesar do teu silêncio. Sinto que me olhas fixamente como que com uma paixão platónica. O teu silêncio, que por vezes me é tormentoso, hoje me parece uma carícia doce. Não te olho para que tu não fiques assim como que corada, bastando-me sentir-te na tua presença despercebida e interessada no ouvir as minhas estórias.
Vejo as gentes que vêm da cidade, sorriso escancarado, saindo dos carros mais caros uns que os outros, camisas coloridas, berrantes por vezes, quedes novos de marcas mais que conhecidas, porém alguns comprados nas lojas dos chineses, óculos escuros, alguns parecidos com os pilotos dos aviões que fazem este mundo ser mais pequeno. Atrás dum chegam outros mais que muitos. Todos sorridentes, todos com roupas novas, todos com óculos escuros.
Entram na areia das mil cores, se espraiam numa preguiça aparentemente contagiosa, agarram jornais, única leitura de muitos nos muitos meses do ano, as crianças se cansam do deitar e correm atrás de uma bola que pincha porque tem ar contido no dentro dela, saltitando por cima de outros espreguiçadamente espraiados, possivelmente a pensar na vida vivida ou na vida que passou ao lado, pelas razões mais diversas que a diversidade das possibilidades.
Troncos nus, calções garridos, relógio de ouro reluzente no brilho do sol. Elas vestidas em pulseiras múltiplas tilintando nos movimentos, mostrando o corpo trabalhado num ginásio e no passar da fome, vestidas em duas peças cada vez mais reduzidas, cada vez mais escondendo menos, às vezes parecendo que dois números acima lhes ficava melhor.
Mostram que são donos do mundo, ou pelo menos, eles pensam que sim. De vez em quando se levantam no olhar para ver alguém que passa e quase se consegue ouvir o que pensam.
Olhos escondidos atrás do óculos escuros devem de estar a rir tal como se consegue ver nos lábios.
Chegaram agora e querem ser já donos da areia das mil cores e de tudo o que nela contém. Querem ser os donos da areia das mil cores. Pelo menos é o que parece que querem transmitir. Se esquecem que outros chegaram mais cedo ou até nunca daqui saíram. Estes se notam na distância, nos vestidos floridos, nas roupas sem etiqueta a esvoaçar na brisa que sopra do lado do zulmarinho e que às vezes chega na areia como se fosse um vento impertinente, nas formas menos curvas ou nas formas vai arredondadas não moldadas num ginásio, mas conquistadas nas birras estupidamente geladas, nos serões de trabalho bebidos. Estes às vezes a quererem um dia imitar aqueles e aqueles serem como estes, daqui quase lhes posso ler no pensamento.
Neste areal de mil cores se cruzam mas não se entendem e não se misturam numa solução homogénea. Estão assim como que em emulsão.
Daqui sentado quase consigo imaginar o brilho ofuscante dos relógios dourados que todos gostavam de trazer no pulso, os reflexos dos óculos escuros mandando feixes de luz num espaço celestial clareando ainda mais o dia. Mas ainda falta muito para que isso aconteça, mas lhes vejo daqui a vontade.
Ainda falta nascer muitas vezes o sol.
Eu aqui sentado na poltrona de rocha esculpida pelas lágrimas do zulmarinho, vejo filmes que passam na minha tela do pensamento e que te conto em voz alta, oleada pelas birras geladas que bebo.

Sanzalando

Grazie

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23 de junho de 2006

há sempre uma solução. Ou não!

Caminho sentindo as águas frias do zulmarinho me acariciarem os pés num toque frigorífico. Nem abro os olhos. O mar de gente espraiado faz um barulho estridente como sempre, como deve e precisa ser todo um mar de gente feliz. Só mais dez minutos, penso eu comigo e zarpo daqui, me sentarei na minha poltrona feita de rocha carcomida pelo zulmarinho nos dias de zangação com ele mesmo ou com o mundo que lhe chateia. Afinal o que são apenas dez minutos? Não, não posso mais ouvir essa gritaria desses gajos espraiados a absorver todo o sol num instante e dessa gente que vem aqui na areia de mil cores fazer desporto. Ainda se depois de irem embora continuassem, mas qual mais o quê, só mesmo no próximo ano eles voltam aqui a fazer as mesmas coisas.
Abro os olhos, desligo-me do barulho perturbador, olho-os nos olhos de cada um e tento lhes compreender. Pena mesmo é que só nesta quinzena eles vão saber o que a vida tem de bom. Depois voltam a se fechar nas suas prisões e lá dentro, na escuridão dos seus pensamentos, só desejam que o ano passe na berrida para voltar a viver mais uns quinze dias. Vivem um ano a pensar nestes dias de felicidade.
Acabo por me espraiar no meio deles. Quero viver por uns instantes a vida deles.
Procuro os cigarros e o isqueiro, fico deitado na areia de barriga para cima, no centro da luz que ofusca a manhã. Olho o fumo que sobe em direcção ao teto azul celestial. Tento apagar-me da sensação de um sonho estranho do qual nem já me lembro. A ponta do cigarro nem sei se brilha nesta claridade toda numa praia que me é estranha. Estar aqui sozinho espraiado, no meio de tanta gente feliz mas com lágrimas, é estranho. A praia assim como num repente fica silenciosa.
Dou um pulo de susto porque assim num repente o silêncio foi abafado pelo ruído estridente de novo. Olho no relógio e vi que se passaram dez minutos. Tão pouco e tanto tempo.
O cigarro está no fim sem ter sido fumado, já quase me queima os dedos. Levanto-me. Nem a areia escaldante e irregular sob meus pés me faz acordar direito. Me arrasto até ao zulmarinho. Sinto que se me olhasse ao espelho, o meu cabelo parecia tinha saído directamente dum filme de terror, as olheiras fundas denunciariam noites seguidas de pouco sono. A cara tem rugas que não estavam ai quando me espraiei na areia das mil cores, pelo menos eu acho que não. Em cada momento acho uma nova marca do tempo na minha cara.
Chego no zulmarinho, no ponto onde ele se enrola para se espraiar na areia adentro com o seu marulhar característico. Reconfortante este som. A minha resistência me parece está queimada. Queimou mesmo porque uma onde me atira zulmarinho dentro como fosse eu uma pena de uma qualquer ave de galinheiro e num esforço que nem estou habituado a lhe fazer consigo livrar-me da corrente que me puxa lá para o âmago dele e sentir-me com os pés na areia de mil cores transformada de castanha e em segurança.
Quero sentar-me na areia. Mas não, eu sou forte, lembras-te? Eu aguento. Afinal que opção eu tenho que não a que escolhi?
Já estou atrasado, daqui a pouco tempo o maldito baterista que vive na minha caixa de pensamentos vai começar a tocar, como fazem os de outras caixas, anunciando a cadência para a decadência.
Caminho. Tenho de me sentar na minha poltrona de rocha e arranjar a minha resistência. Tem de faltar muito mais tempo até começar o batuque ritmado da decadência. Nem que tenha de mergulhar vezes sem conta nessa água fria que parece foge das correntes quentes de lá do início dele.
Se queimou a resistência se conserta, na pior das hipóteses se troca por uma nova num corpo são.
Como vês, mermão, há sempre uma solução.
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Que o diga o mar

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22 de junho de 2006

Coisas do coração









fotos by M.
Dia 21 Jun 2006 - 15.30h - Os "Palanquinhas Negras"....a treinar na
Rainha Ginga, durante o jogo dos mais velhos, entre Angola/Irão...É
assim que o sonho pula e avança...Com uma bola colorida entre....
As fotos foram tiradas ontem em Luanda enquanto decorria o Jogo de futebol Angola-Irão, na Alemanha.
Caminho num vai e vem inconstante de incertezas e certezas quase absolutas.
Bebo birras para olear a garganta e ter uma voz que não doa, olho no zulmarinho para ter a certeza que a minha vista não se limita a uma área mais pequena que uma cabeça de fósforo. Falo contigo por saber que me ouves, ou fazes o favor de fazer companhia desinteressada e assim nós vamos correndo o mundo ao sabor da maresia.
Mas tem coisas que um coração não entende e depois ele fica a cobrar explicação. Ele deve estar a imaginar que a gente sabe tudo e para tudo a gente tem uma explicação. Mas espera aí, tem muitas vezes que a gente é guiado pelo coração, portanto ele tem de aguentar também parte da culpa.
Todos os dias espero encontrar o meu caminho e uma razão forte para me ter levantado da cama. A gente precisa de sonhos afinal das contas. Eles moram nos meio do nosso concorrido dia a dia. Eles não caiem do céu nem são dados pelas fadas. Eles são frestas dos nossos trabalhos inacabados.
Tas a ver a coisa de que às vezes a gente finge não ver os sonhos? Mas eles não evaporam como essas lágrimas do zulmarinho que te refrescam o corpo. Eles ficam assim na clandestinidade à espera do seu momento.
Eu estou aqui na conversa contigo, neste diálogo entre mim e eu, e estou a dar uma chance de realizar os meus sonhos, que se vão realizar lá no lugar deles. Sem centímetro a mais ou a menos. Quero dar oportunidades aos meus sonhos sem limites. Quero poder dizer-lhes que são bem-vindos. É preciso encontrar a magia nas palavras não pronunciadas e a leveza dos pensamentos guardados na cabeça.
Tas a ver que tudo são coisas do coração. O amor faz as coisas terem sentido e as coisas têm sentido por causa desse mesmo amor.
Tas a me acompanhar?
O amor, mesmo o incompreendido, faz sentido porque faz com que as letras não pronunciadas deixem de ser áridas e se tornem fecundamente coloridas num dia a dia a preto e branco.
O que vale, mermão é que a gente sobrevive.
Sanzalando

Quem não compreende um olhar

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21 de junho de 2006

Conversa fiada

Me sento aqui, nesta rocha parece é poltrona feita nas minhas medidas, recebo as lágrimas do zulmarinho que fazem de meu ar consecionado, arrefecendo o corpo que esteve colado num rádio de pilhas a ouvir os sons que vinham desde lá longe, mas longe que aqui o final do zulmarinho, que está hoje num azul celestial como que a festejar uma festa de arromba e se atirando com força por sobre a areia de mil cores, parece está a fazer um campeonato de ver qual a gota que vai mais longe. Ouves este som que parece estar abafado no marulhar? Não é o meu coração que bate com essa força toda, mas são os sons dos foguetes que chegam desde lá do início dele.
Foi bonito de ver uns caloiros a se bater com valentia e ouvir no rádio de pilhas os elogios. Arrepiantemente bonito, te digo com todo o coração.
Senta aqui comigo e vamos conversar. Eu hoje estou a fim de conversar fiado. Mas num tem esquecimento numa próxima vez de pagar as que eu não verter hoje.
Mas estava a te dizer que hoje estou afim de conversa fiada, isso mesmo assim. Conversa fiada.
Chega de estar a pensar nessa coisa de politica económica nesse mundo globalizado, cada vez mais dependente de cada vez menos. Chega de falar desse tal de ozono que dizem está assim a ficar como a minha carteira, cada vez mais menos ocupando espaço. Chega de falar dessa coisa de amor que o primeiro passo para o divórcio é mesmo o casamento.
Hoje mesmo não estou nada virado para saber dessas coisas importantes.
Está decidido que quem decide a ordem da importância das classificações importantes sou eu.
Eu hoje é quem decide o que é importante e não tem discussão.
Hoje podemos falar asneiras, gargalhar sem contar piadas, ver filmes que se estreiam pela nona vez nesta tela que é o pensamento.
Mas eu hoje num bebo a minha birra gelada.
Podemos cantar todas as músicas que nos lembrarmos das letras, comer comida com essa coisa de calorias que faz a gente ficar assim como que nem uma bola, ficar aqui em silêncio a ouvir os foguetes que chegam como se fosse a aurora de desde lá da linha recta que é curva e alguns dizem é o horizonte, mas para outros deve ser outra coisa pois o horizonte deles é mesmo ali ao virar da esquina.
Tudo menos pensar no dia de amanhã, tudo menos falar de coisas importantes que a gente fala mas é outro qualquer lá onde é que ele está quem decide, e a gente fica só é mas é rouco e não ganha nem nada com isso.
Alguém por aí está afim de conversar fiado? Além de ti, claro, que estás fielmente sentado ao meu lado que qualquer dia ainda vou ficar a saber és surdo.
Espero que sim...

Sanzalando

O golo

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estou

Nervosa, ansiosa e equipadamente estou contigo desde agora: 14:43 h
Sanzalando

20 de junho de 2006

Tu sabes. Sabes?

Calor bom cai aqui. As lágrimas do zulmarinho, que se libertam quando ele se vem espreguiçar aqui na areia num remoinho sempre diferente, me vão refrescando de modo que eu continuo a falar-te as minhas estórias quase sem parar para respirar. Parar mesmo só para verter pela goela uma bem geladinha que é preciso arrefecer as juntas e as cordas vocais, pois se assim não fosse eu estaria só a falar com os lábios e tu ias adormecer por não teres mais que o silêncio interrompido pelo marulhar das ondas, naquela cadência quase certa de arritmias.
Tu sabes que eu pertenço a uma classe de pessoas que vivem esperando alguma coisa que não sabem se alguma vez ela vai chegar. Mas a gente espera sem desesperar, sorri quando às vezes apetecia chorar, cala quando às vezes apetecia gritar. Nós somos aqueles que buscam as raízes, estejam elas onde quer que estejam. Desânimo a gente nem conhece de palavra quanto mais de significado. A gente espera com a esperança de uma criança.
Tu sabes que eu faço parte da classe de pessoas que se alegra com o triunfo dos outros e se marimba com as gargalhadas trocistas dos poucos que gargalham nem sabem eles porquê.
Tu sabes que eu faço parte da classe das pessoas que vivem no tempo presente, conhecedoras, mas não chorosas, das épocas gloriosas que pouco brilho tinham, não negando que recebemos as influências adequadas, mas com a consciência que a vida tem um início não pedido e um fim não previsto nessa coisa do tempo que segue a sua convenção de uma forma solitária e inculta. Vivendo nós só e apenas no intervalo dessas duas coisas não pedidas e não previstas.
Não quero com isto estar-te a dizer que eu queria ser imortal, dono do meu destino destinado a ser o que sou, ser dono de poderes fantásticos que me ajudassem a cumprir e viver todos os meus sonhos, que todos os meus pensamentos saíssem da caverna onde se escondem e pudessem chegar onde eu coloquei o destinatário.
Sento-me aqui, falo-te, tu me ouves e eu consigo ver nos teus olhos que me vês como uma teia de aranha geometricamente perfeita, estrategicamente colocada e inesteticamente colorida de branco brilhando ao sol e como pano de fundo um futuro que já é passado.
Mas deixa-me dizer-te que eu sou uma pequena parte do meu lugar no mundo que vivo, que o meu nome corre com o vento e as minhas ideias se edificam nos espaços celestiais.
Com esta já mereço mais uma birra bem geladinha. Anda lá, vai buscar e desenferruja os teus ossos esqueléticos de estar sentado como se fosses um rei.
Sanzalando

Dia Mundial dos Refugiados

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19 de junho de 2006

E tu?

Caminho vagarosamente como se estivesse parado. Falo. Não paro de falar, mesmo ontem quando disse que estava de férias não me calei. Queria mesmo estar de papo no ar, vagueando no vazio de mim e sentir que eu não existo mais para além do presente. Mas desconsegui só porque tu apareces na minha cabeça como um filme sem intervalo. Mas ontem tirei-me um dia de vida e folguei. Hoje, por causa disso, caminho num passo quase parado como que a querer parar o tempo, essa inútil utilidade.
Trás aí uma birra estupidamente gelada e me acompanha, na bebida, no passo e no pensamento. Isto é, se eu não te estou a pedir muito. Consegues acompanhar-me?
Então me acompanha e vamos ver se são as coisas que não se despedem de mim, ou se sou eu que as impeço de irem embora.
Se as coisas se vão, é porque fogem mansas e silenciosas, sem que eu as perceba. Gastam-se, arruínam-se, desaparecem, escapam-se por entre os dos dedos e viram essa estranha poeira que vagueia pela vida, mudando as cores, misturando-se no ar dando um toque de neblina aos dias, transfigurando as margens deste zulmarinho, que termina aqui mas tem o início lá no começo de tudo.
Tas a ver que é quando o que existe dentro de mim vira mundo novamente, existe sem ser num pensamento palavreado em voz quase rouca de contador de estórias à beira-mar, carcomido pelo sal e torrado pelo sol?
De tantas metas que já escolhi qual terá sido a mais interessante?
Há tantos caminhos que se vão abrindo na minha frente, tantos sonhos sonhados. Todos com um toque especial, mas nenhum permanece imóvel no seu sítio, todos são flutuantes e não rectos divididos ao meio por um equador, todos prometem-me a felicidade a seu modo de ser sonhado.
A minha vida é assim mais com menos como o amor.
O amor é uma grande incógnita. Todos esperamos a ser a pessoa perfeita, cheios de confiança e capazes de resolver todas as exigências e requerimentos em papel timbrado e selado. Queremos ser mundos e pessoas perfeitas e afinal de contas andamos a borrar face da terra com todos os nossos erros. Queremos ser felizes neste mundo tão depressivo, ser sinceros num mundo de mentiras e hipocrisias, ser livres num mundo de tantas prisões e escravaturas, viver em paz num mundo de guerra e violência.
Tas mesmo a acompanhar-me ou estás a deixar-me ir na tua frente que quando te olhar já só te vejo como um ponto lá atrás?
Onde está a ilusão da ideia que me mantém neste mundo, a razão que me dê um pouco de ânimo para levantar-me de manhã e não pensar que a vida é uma acumulação de sucessos supérfluos? Onde está esse sonho que me mantém a salvo deste inferno e me acende a luz da sombra da minha existência?
Como me vês eu sou um realizador real de sonhos sonhados acordado. E tu?
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Ma limonjééé


Sanzalando

17 de junho de 2006

Se não tens um amor assim...


Continuo sentado a olhar-te sem te conseguir ver, a falar-te sem saber se me escutas. Ouço o marulhar, sinto o leve perfume da maresia. Canto para mim sonhos de rimas perfeitas. Conto-te as minhas estórias no sentido de estar-te lado a lado assim como unha com carne. Conto-te as minhas estórias rodeado de gente que não vejo mas sinto. Falo-te poemas de amor numa prosa que me sai da alma, sem travões e sem filtros para que eles ouçam que não te escondo dentro de mim.
Não tem um amor assim quem não tem uma música secreta que fale dele, quem não dedica livros escritos nas velhas sebentas encarnadas, quem não recorta artigos, quem se não chateia com o facto de o seu bem amado ser veladamente esquecido ou maltratado.
Não tem um amor assim quem ama sem gostar; quem gosta sem sentir; quem sente sem aprofundar.
Não tem um amor assim quem nunca sentiu o gosto de se ter lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou ao meio-dia de sol em plena praia cheia de um ponto que existe no lado de lá.
Não tem um amor assim quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações.
Não tem um amor assim quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz.
Não tem um amor assim quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afectivo porque os outros podem pensar que endoidou de vez.
Se tu, mermão, não tens um amor assim é porque não descobriste que o amor é alegre e que tu vives com um peso de duzentos quilos de grilos e medos nessa tua consciência. Enfeita-se com margaridas e flores amarelas do campo, enche-te de ternuras e escova a alma com leves massagens de esperança. Sai do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim que existe em ti. Acorda com gosto e sorri os teus lábios para quem passar debaixo do teu olhar e bebe licor de contos de fadas. Anda como se o chão estivesse repleto de sons de guitarra e do céu descessem nuvens de carícias, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer-te frases e palavras de força.
Se tu não tens um amor assim é porque ainda não enlouqueceste aquele pouquinho necessário, para fazer a vida parar e, de repente, parecer que tudo faz sentido.

Sanzalando

INIGUALÁVEL

16 de junho de 2006

HISTÓRIA

Resultado HISTÓRICO na 1ª participação Angolana num Campeonato do Mundo de Futebol
Sanzalando

Um amor assim

Sento-me na areia e converso contigo sem saber se tu me ouves ou se estás só assim num corpo ausente, fixa neste átomo celestial num eixo inclinado para que os esquimós tenham um tempinho de sol de vez em quando. Falo e nem te olho nos olhos porque tu sabes que de onde eu te falo não te consigo ver no sentido físico, mas te vejo no sentido dos sentimentos. Eu sinto a tua presença e isso para mim basta.
Bebo uma birra estupidamente gelada que me refresca a memória e eu te consigo ver tal e qual tu és. Sinto o teu perfume misturado nesta maresia, ouço os teus sons misturados neste marulhar das ondas se espreguiçando na areia das muitas cores.
Quem não tem um amor assim é alguém que tirou férias não pagas de si mesmo. Namorar é a mais difícil das conquistas. Difícil porque enamorar de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, lágrimas, nuvem, doces, brisas ou filosofia. A paixão é fácil. Mas namorar mesmo, é muito difícil. Não precisa ser a mais bonita, a mais perfeita, a mais sem defeitos secundários mas aquela a quem se quer proteger e quando se chega perto a gente treme, transpira gelo e quase desmaia pedindo protecção. A protecção dela não precisa ser física, decidida, ou subsidiária, basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem não tem um amor assim não é quem não tem um amor, é quem não sabe o gosto de namorar.
Não tem um amor assim quem não sabe o gosto da chuva, quem não conhece o cheiro da terra molhada, quem tem medo dos passados, quem não comeu sandes de padaria ou faz da vida um trabalho.
Não tem um amor assim quem curte sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete, quem ama sem alegria.
Não tem um amor assim quem não faz pactos de amor com a felicidade, mesmo que de forma rápida, escondida, fugidia ou impossível de saber como vai durar.
Não tem um amor assim quem não sabe o valor do sentir das mãos dadas; do carinho escondido na hora; de flor roubada num quintal e entregue de repente, de gargalhar quando fala sussurrando ou descobre uma meia rasgada; da ansiedade enorme de viajar de nuvem em nuvem, de cavalo alado, tapete mágico ou foguetão.
Não tem um amor assim quem não gosta de dormir agarrado, fazer a sesta abraçado, fazer compras acompanhado.
Não tem um amor assim quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, de ver claro a alegria pela lucidez do amor.
Não tem um amor assim quem não reencontra a criança dentro de si própria e sai com ela correndo e pulando pelos parques, chapinhando na beira mar deste zulmarinho que tem o início a teus pés.
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14 de junho de 2006

O tempo de ir a tempo

Olho as ondas crispadas do zulmarinho e vou caminhando. O resto do mundo não existe para mim enquanto eu posso estar aqui a caminhar os meus pensamentos, a contar as minhas estórias, que mesmo não tendo acontecido não deixam de ser verdadeiras, porque são minhas. Contar estórias é um acto solitário mesmo que esteja uma roda de gente a me ouvir. Eu vivo as minhas estorias e por isso não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Contá-las e escutá-las tudo ao mesmo tempo e aí não havia estória.
O tempo passa mas o tempo não me diz nada. O tempo não cura nada, não resolve nada, não apaga nada da memória. O tempo não tem tempo para passar o tempo mais depressa. O tempo só serve para se ver passar o tempo e provar que ele é um inútil. Ele serve para dar-nos experiência quando a experiência já não nos adianta para nada. Ele serve para nos fazer ver o valor das pessoas quando elas já não estão aqui. Ele serve para nos mostrar alguma coisa quando já passou a hora de ver a coisa. Ele serve para nos matar por dentro e por fora. A esperança se fina no tempo, a gente morre no tempo, tudo o que é bom parece perecer com o tempo. O tempo morre com o tempo.
O tempo serve para fazer girar os ponteiros do relógio no sentido convencionado para eles girarem. E porque giram os ponteiros do relógio? Eu queria não ter de me valer do tempo, queria ser auto-suficiente em matéria de instantes e medir o tempo em alguma coisa menos precisa e mais harmoniosa do que horas.
Um segundo. Acabou de passar aqui por mim enquanto eu pensava nele. Não o cheguei nem a ver nem a sentir. Ele passou e nada. Nada mesmo. Vazio.
O tempo é um remédio falsificado, um placebo sem o menor efeito. O tempo me dá rugas. Não as deu ainda, mas vai dar, não tarda o tempo de vê-las chegar.
Ainda tenho tempo para verter uma birra geladinha e olhar para lá da linha recta que é curva e ter esperança de chegar em meu tempo útil.
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