A Minha Sanzala

no fim desta página

23 de junho de 2006

há sempre uma solução. Ou não!

Caminho sentindo as águas frias do zulmarinho me acariciarem os pés num toque frigorífico. Nem abro os olhos. O mar de gente espraiado faz um barulho estridente como sempre, como deve e precisa ser todo um mar de gente feliz. Só mais dez minutos, penso eu comigo e zarpo daqui, me sentarei na minha poltrona feita de rocha carcomida pelo zulmarinho nos dias de zangação com ele mesmo ou com o mundo que lhe chateia. Afinal o que são apenas dez minutos? Não, não posso mais ouvir essa gritaria desses gajos espraiados a absorver todo o sol num instante e dessa gente que vem aqui na areia de mil cores fazer desporto. Ainda se depois de irem embora continuassem, mas qual mais o quê, só mesmo no próximo ano eles voltam aqui a fazer as mesmas coisas.
Abro os olhos, desligo-me do barulho perturbador, olho-os nos olhos de cada um e tento lhes compreender. Pena mesmo é que só nesta quinzena eles vão saber o que a vida tem de bom. Depois voltam a se fechar nas suas prisões e lá dentro, na escuridão dos seus pensamentos, só desejam que o ano passe na berrida para voltar a viver mais uns quinze dias. Vivem um ano a pensar nestes dias de felicidade.
Acabo por me espraiar no meio deles. Quero viver por uns instantes a vida deles.
Procuro os cigarros e o isqueiro, fico deitado na areia de barriga para cima, no centro da luz que ofusca a manhã. Olho o fumo que sobe em direcção ao teto azul celestial. Tento apagar-me da sensação de um sonho estranho do qual nem já me lembro. A ponta do cigarro nem sei se brilha nesta claridade toda numa praia que me é estranha. Estar aqui sozinho espraiado, no meio de tanta gente feliz mas com lágrimas, é estranho. A praia assim como num repente fica silenciosa.
Dou um pulo de susto porque assim num repente o silêncio foi abafado pelo ruído estridente de novo. Olho no relógio e vi que se passaram dez minutos. Tão pouco e tanto tempo.
O cigarro está no fim sem ter sido fumado, já quase me queima os dedos. Levanto-me. Nem a areia escaldante e irregular sob meus pés me faz acordar direito. Me arrasto até ao zulmarinho. Sinto que se me olhasse ao espelho, o meu cabelo parecia tinha saído directamente dum filme de terror, as olheiras fundas denunciariam noites seguidas de pouco sono. A cara tem rugas que não estavam ai quando me espraiei na areia das mil cores, pelo menos eu acho que não. Em cada momento acho uma nova marca do tempo na minha cara.
Chego no zulmarinho, no ponto onde ele se enrola para se espraiar na areia adentro com o seu marulhar característico. Reconfortante este som. A minha resistência me parece está queimada. Queimou mesmo porque uma onde me atira zulmarinho dentro como fosse eu uma pena de uma qualquer ave de galinheiro e num esforço que nem estou habituado a lhe fazer consigo livrar-me da corrente que me puxa lá para o âmago dele e sentir-me com os pés na areia de mil cores transformada de castanha e em segurança.
Quero sentar-me na areia. Mas não, eu sou forte, lembras-te? Eu aguento. Afinal que opção eu tenho que não a que escolhi?
Já estou atrasado, daqui a pouco tempo o maldito baterista que vive na minha caixa de pensamentos vai começar a tocar, como fazem os de outras caixas, anunciando a cadência para a decadência.
Caminho. Tenho de me sentar na minha poltrona de rocha e arranjar a minha resistência. Tem de faltar muito mais tempo até começar o batuque ritmado da decadência. Nem que tenha de mergulhar vezes sem conta nessa água fria que parece foge das correntes quentes de lá do início dele.
Se queimou a resistência se conserta, na pior das hipóteses se troca por uma nova num corpo são.
Como vês, mermão, há sempre uma solução.
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