A Minha Sanzala

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16 de junho de 2006

Um amor assim

Sento-me na areia e converso contigo sem saber se tu me ouves ou se estás só assim num corpo ausente, fixa neste átomo celestial num eixo inclinado para que os esquimós tenham um tempinho de sol de vez em quando. Falo e nem te olho nos olhos porque tu sabes que de onde eu te falo não te consigo ver no sentido físico, mas te vejo no sentido dos sentimentos. Eu sinto a tua presença e isso para mim basta.
Bebo uma birra estupidamente gelada que me refresca a memória e eu te consigo ver tal e qual tu és. Sinto o teu perfume misturado nesta maresia, ouço os teus sons misturados neste marulhar das ondas se espreguiçando na areia das muitas cores.
Quem não tem um amor assim é alguém que tirou férias não pagas de si mesmo. Namorar é a mais difícil das conquistas. Difícil porque enamorar de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, lágrimas, nuvem, doces, brisas ou filosofia. A paixão é fácil. Mas namorar mesmo, é muito difícil. Não precisa ser a mais bonita, a mais perfeita, a mais sem defeitos secundários mas aquela a quem se quer proteger e quando se chega perto a gente treme, transpira gelo e quase desmaia pedindo protecção. A protecção dela não precisa ser física, decidida, ou subsidiária, basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem não tem um amor assim não é quem não tem um amor, é quem não sabe o gosto de namorar.
Não tem um amor assim quem não sabe o gosto da chuva, quem não conhece o cheiro da terra molhada, quem tem medo dos passados, quem não comeu sandes de padaria ou faz da vida um trabalho.
Não tem um amor assim quem curte sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete, quem ama sem alegria.
Não tem um amor assim quem não faz pactos de amor com a felicidade, mesmo que de forma rápida, escondida, fugidia ou impossível de saber como vai durar.
Não tem um amor assim quem não sabe o valor do sentir das mãos dadas; do carinho escondido na hora; de flor roubada num quintal e entregue de repente, de gargalhar quando fala sussurrando ou descobre uma meia rasgada; da ansiedade enorme de viajar de nuvem em nuvem, de cavalo alado, tapete mágico ou foguetão.
Não tem um amor assim quem não gosta de dormir agarrado, fazer a sesta abraçado, fazer compras acompanhado.
Não tem um amor assim quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, de ver claro a alegria pela lucidez do amor.
Não tem um amor assim quem não reencontra a criança dentro de si própria e sai com ela correndo e pulando pelos parques, chapinhando na beira mar deste zulmarinho que tem o início a teus pés.
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