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30 de novembro de 2021
João Afonso - O Principezinho (CD LIVROS, 2021)
Gosto de ouvir João Afonso e por isso hoje em vez de partilhar letras e palavras soltas vou por aqui ouvindo o Principezinho
O Principezinho é uma das 14 canções inéditas de "Livros" (2021), um CD que nos conduz pelo "som das leituras" de João Afonso.
O novo trabalho está disponível numa edição livro/CD de 70 páginas, ilustrado por António Afonso
Sanzalando
29 de novembro de 2021
Crescer
Aqui neste norte do meu sul lá em baixo, custa crescer. Complicação em complicação lá vai uma pessoa crescendo, amadurecendo e envelhecendo. Crescido uma pessoa vai fazer mais o quê? Se se é criança a gente até que pensa que amanhã vai ser diferente, a gente pede ajuda ao tio, ao primo, a um mais velho. Crescido vai ser mais como? Amanhã está-se cá? Crescer é enfrentar os medos, é percorrer o labirinto de cada dia, ter as certezas das incertezas de futuro, é desesperar de lágrimas passadas e tentar encontrar uma saída sem obstáculos, é olhar para o lado e ver que não tem mais velho para lutar as nossas batalhas.
Crescer continua a ser uma incógnita, mesmo depois deu eu meditar sobre isso. Não tem manual de instrução.
28 de novembro de 2021
27 de novembro de 2021
26 de novembro de 2021
saudável
Enrolado em mantas lá vou eu caminhando neste frio norte que faz aqui. Lá no Sul faz sol e de vez em quando troveja. Aqui faz frio de tremer que até parece é a terra que treme. Eu não sei porque explico porque ando nesta vadiagem mental já que as pessoas só entendem mesmo o que querem, só ouvem o que lhes apetece.
Na verdade estou como Voltaire: resolvi ser feliz porque é melhor para a saúde. Caminhar assim é-me saudável.
25 de novembro de 2021
sou resiliente, inteligente e humano
Hoje estou aborrecido e desta vez é com quem não conheço na pessoa, apenasmente no lugar. Desiludiu-me porque falhou rotundamente num desesperado atirar-se para a frente dum comboio desusado e já com muitas falhas no cumprimento do seu dever de levar a uma estação passageiros e mercadorias, aqui neste caso traduza-se por doentes e doenças. Mas trocar competências com resiliência foi um pouco de mais na aritmética duma escola básica. Ser resiliente não é mais que ter pensamento maleável, positivo e ser extremamente inteligente para entender que o meio precisa de modificações, adaptações e ser vivido com intensidade e amor, no sentido lato muito bem cantado por Camões.
O SNS chegou até ao presente porque os médicos têm sido, para além de competentes, resilientes e sempre se souberam adaptar ao meio. Do tempo da Dra. Leonor Beleza ao da Dra. Marta Temido muitas águas e nódoas foram tingidas, atingidas e apagadas. De Doentes a Clientes os médicos foram-se adaptando, foram exercitando o seu poder de resiliência diariamente e os resultados foram mostrados nas várias vagas desta pandemia. Aprenderam a não se desesperar, aprenderam a ser mais livres porque mais simples é viver em liberdade, mais simples é cuidar com qualidade.
Assim sendo só, me apetece solicitar um ministro resiliente e competente. Ambas qualidades são imprescindíveis neste século tecnológico porém ainda humano.
24 de novembro de 2021
deixei de fumar
Por estes caminhos e outros tantos por aí já ouvi palavras amargas de quem já mas deu doces. Simplesmente sorrio e porque compreendo. Nem sempre tenho a palavra pronta para sair, nem sempre me apetece azul, nem sempre quero ver o que vejo. Não me vou irritar ou zangar. Compreendo e espero altura para desequivocar, corrigir ou simplesmente calar.
Um dia, estávamos na altura do cacimbo, para lá do campo do Sporting da terra, vagabundando o tempo todo que tínhamos, visita amigos ou simplesmente caminhávamos sem destino e sem fazeres a fazer, e um amigo, daqueles amigos do tempo de criança que chegam à adolescência sem nunca ter tido uma falha na amizade, me diz de tom azedo que eu não devia estar a fumar.
Me irritei. Eu adolescente, consciente de todas as verdades, crescido que nem eu ia ouvir uma coisa daquelas e ficar calado? Por acaso fiquei e posso dizer que até irritado também.
Hoje, passado quase meio século eu lhe dou a razão. Tardou mas a verdade é que eu nuca devia ter feito aquilo.
Tudo porque está a fazer 13 anos que deixei de fumar, o Beira-Mar ganhou 1-0 ao Portimonense no Estádio de Aveiro e o sr. segurança me disse:
- Não pode fumar aqui!!!
Zangado lhe olhei nos olhos e respondi:
- Se não posso fumar aqui também não fumarei em mais lado nenhum.
Um pequeno resumo da minha vida desportiva activa.
23 de novembro de 2021
congelando passados
Olhando pela janela pressinto o frio que deve fazer lá fora. Lá, no meu lado sul, deve fazer sol e chuva do estilo trovoada livre, que até faz transpirar nos intervalos. Aqui, serenamente na minha janela, atiro pensamentos a ver se os vejo congelar lá fora. Há imagens que eu não queria perder e uma das formas que me ensinaram para conservar era a congelação. Estou a tentar fazer isso com os meus pensamentos e memórias. Congeladas no tempo. As pessoas têm a mesma cara mesmo que tenham passado 50 anos desde a última vez que as vi. Têm o mesmo peso. Facilmente as reconheço. Estão ali congeladas a minha vista. Mesmo que eu fosse dormir por uma semana eu ia ao acordar lhes encontrar intactas e continuava a viver a memória da mesma maneira.
Olhando pela janela verifico que mesmo que não haja memória para tanta vida passada eu sinto que tenho muito para recordar. O tempo frio, nostálgico, me faz entender que o peso do mundo não é para ser carregado apenas por mim, mas por todo o meu passado, por todos os que fizeram parte dele, por todos os que contribuíram para que eu tenha hoje um passado, bem definido e bem desenhado.
22 de novembro de 2021
recorda andando
Assim caminhando pelos caminhos da juventude, quadriculado citadino percorrido de forma geometricamente anárquica, me deixa tanta coisa vir a um de cima, ao pensamento imediato e à lógica tranquila. Eu sei que eu falar é de graça, mesmo que às vezes me custe muito caro a interpretação de quem me ouve. Mas eu prefiro assim que estar fechado no meu quarto com o barulho dos meus pensamentos silenciosos.
Neste quadriculado, onde perdi muitas lágrimas de amor, onde ganhei muitos abraços e outros tantos carinhos, onde ouvi sinceros elogios e mais sérios insultos, me perco nas caminhadas de memória, na eterna juventude que passou efémera por mim. Aqui conheci gente que aos pouco desencarnam-se deste mundo e me olham desde lá dum cima como que a me observar num cuidadoso aconselhar de ser e estar. Se não fosse por estar e por outras eu me dizia que chorar faz bem, embora me faça estar ranhosamente fungando.
21 de novembro de 2021
cidadezinha a minha
Se eu sonhasse um dia ia ser assim, eu sei que esse sonho era pesadelo. Eu aqui longe, desapegado das raízes, despregado do passado, perdido dentro de mim à procura de reconstruir-me. São décadas de reconstrução, anos de luta interna, sensações complexas em que uma vida se emaranha entre desejos, realidades e conquistas. Afinal de contas eu preciso do meu passado, eu, no fundo da minha alma, por mais que renuncie fico marcado pela ansiedade do era, do fui e do que vivi.
Hoje o Bero deu vinho quando na minha memória ele só dava água castanha no mar proibindo idas a banhos.
Hoje as ruas são mares de gente em cores garridas de diálogos coloridos, quando na minha memória era gente silenciosa que mal pisava o chão na caminhada.
Hoje eu faço luto pelos dias que não vivi, que passei naquele cantinho sem ser visto ou notado.
20 de novembro de 2021
insubstituível nunca
Um dia, num outono do norte, parti. Como um jovem adulto parte de casa. Não olhei para trás e a minha despedida quase passou despercebida. Parti por amor sabendo que ia levar comigo todas as memórias que um dia poderiam virar saudades. Levei recordações comigo, trouxe as minhas versões e cada dia passou a ser uma novidade, cada momento único.
De jovem adulto fui lentamente amadurecendo, deixei de encontrar nos meus sonhos os desejos e construi um novo caminho, perdi dons e ganhei experiência e alguma sabedoria. A magreza substituída por algum rechonchudo aspecto e aos poucos o corpo foi-se curvando para a frente num aspecto que visto de fora ia dizer era o peso da consciência que me vergava ou apenas a força da terra a chamar pela minha cabeça. Fui clareando memórias, pentanto de cores garridas as memórias tropicais e desenhando com palavras toda a minha juventude vivida.
Um dia lá mais para a frente pintarei com palavras um epitáfio onde se lerá apenas: Por aqui passou um gajo porreiro que não era insubstituível.
19 de novembro de 2021
eu e a imaginação
Não sei o dia da semana. Sei que são cinco de uma tarde. Não chove, não faz sol, parece é outono lá dum norte desde aqui. Faz tempo de não sei quando que não vou lá. Me sinto livre de pensar no que lá está, como é que está lá, como é que é. O pensamento é-me livre. As palmeiras que tinham 2 metros devem ter agora alguns 10, eram direitinhas e agora devem estar tortas como as palmeiras que apanham vento. Sou livre só de imaginar como é que elas devem estar. A relva do parque infantil que não se podia nem pisar deve estar verde e linda porque imagino a tratam bem. Os carros circulam suavemente e sem engarrafamentos, porque a minha imaginação não a vê com confusão dos tempos modernos. A linha do horizonte deve unir o Saco e a Ponta do Noronha. As pessoas falam em surdina porque não é necessário gritar como fazem nas grandes cidades para se ouvirem.
A minha imaginação não me leva para nenhum abismo, apenasmente me leva ao lugar onde fui sempre feliz, mesmo quando imaginava que não.
Sanzalando
18 de novembro de 2021
ponte de memória
Hoje me sento na ponte velha, que eu conheci já era velhinha, já lhe faltavam tábuas e já se via o mar lá em baixo. Hoje vou ficar por aqui a olhar o Saco, olhar o horizonte e ver este zulmarinho que não é turquesa, nem celeste, é só da cor dele mesmo. É uma baia perfeita, um quase arco visto daqui redondo que nem uma roda de bicicleta que deram uma dentada num lado, que por acaso fica no lado de fora da baía.
Eu sei que não há duas baías iguais. Há grandes e mais pequenas, pronunciadas ou quase impercetíveis. Eu gosto da minha baía porque sinto nela uma paixão e porque me trás tantas recordações que eu posso dizer boas.
Eu sei que esta ponte já teve melhores dias, eu sei que eu mesmo já tive melhores dias. A gente vai fazer mais o quê ao tempo? Vivê-lo é o que nos resta. Esta ponte dá-me vida. A memória desta ponte é parte da minha vida.
É uma ponte de memória.
17 de novembro de 2021
regresso ao passado parte qualquer
Como me é estranho estar agora sentado aqui na escadaria do tribunal a olhar a avenida que parece não tinha fim, no meu olhar de garoto. O campo de futebol que fica lá nos confins desta avenida parece era longe e só de pensar me canso pois todos os dias a minha mãe ia a pé lá no trabalho. Era sacrifício fazer esse caminho tão longe. Hoje até parece a subida da fortaleza não é tão inclinada como era. A curva contra curva do tribunal que era feita em modo rally agora parece é normal e desinclinada para fora.
Como é estranho estar aqui sentado e ver-me com os meus olhos de criança tanta coisa difícil que afinal até que é fácil fazer. Naquele meu mundo eu era pequenino e tudo parecia era enorme.
Eu estava só a dormitar naquela vida porque eu não lhe vivi como acho hoje eu lhe ia viver. Eu acho hoje que eu não devia ter crescido sem ter vivido todo o passado que lá passei e não tomei consciência.
Perdi os meus melhores tempos. Perdi, forma figurativa e não real, porque na realidade eu ganhei-me.
16 de novembro de 2021
seguir
Sigo ponto por ponto nos meus delírios em busca duma verdade que acho todos procuram e ninguém encontra. Não sou eu que vou encontrar, mas não é por isso que deixo de procurar. Tem de haver uma constante busca dessa dita cuja para podermos seguir numa frente comum de sorrisos e encantamentos. Às vezes a gente chega tão perto que até os sorrisos parecem ser ali mas num ápice as estrelas deixam de brilhar e os sorrisos se apagam.
Sigo olhando os olhos sem receios e sem vaidades. Vou indo calcetando caminhos com pensamentos de pedra e cal, com ideias livres de redes e amarrações.
15 de novembro de 2021
palavras e silêncios
Pé ante pé sigo pelas minhas estradas, meus caminhos, meus nadas, filosofando estados de alma, procurando viver a vida com calma, sem medos ou pesadelos, sem tormentas em enredados novelos. Sigo por ai, sem medo de amar, sem ter medo que me amem, sem me calar ou não responder mesmo que me chamem. Sigo palavras meias com silêncios, cruzados olhos em horizontes definidos, sem ter um fim à vista, mesmo que a vista seja limpa pelo brilhar do sol, ou alaranjado pelo pôr do mesmo.
Sigo sem olhar para trás, sabendo que esse atrás é o que sou hoje. Amanhã logo verei quem sou e como sou.
Quem foi que nunca teve um coração partido? Prova existencial duma tentativa. É bom que tenha tido e que algumas até possam ter falhado. Hoje elas fazem parte das minhas palavras e meus silêncios.
14 de novembro de 2021
introspectivamente
Pelas ruas da minha cidade interior, dentro de mim, passeio como um caminhante errante do mundo. Gosto de ter momentos de solidão interior, de estar num monólogo interno, num aumento da intimidade interna, numa forma de conectar todos os meus pontos, ao ponto de dizer que o amor não é isso que tantos cantam, mas é o que poucos usam. O amor é para ser usado, até na forma mais interna da nós, na forma mais sentimental da nossa solidão, no nosso ponto de conquista interior.
Se me gosto mais facilmente hão-de gostar de mim.
Nas minhas ruas internas, avenidas e passeios, eu encontro tanto deste mundo que sobra para dar ao mundo exterior. Estas ruas são iluminadas por livros que li, obras que vi, estórias que ouvi e tanto que me ensinaram, muitos sem saber que o faziam. São ruas cheias de luz, brilhantes, cintilantes, em festa permanente porque me alegram cada segundo de mim.
Nestas ruas quando lhes bate o sol ou a saudade eu os agarro e guardo.
13 de novembro de 2021
foi e serei
Tás a escrever mais para quê?
Então não estás a ver que estou só a procurar carinho para continuar o caminho da minha juventude, assim num estrilo ao contrário? Dás de conta que se eu me falo do passado é porque lhe gostei e não lhe quero nem esconder ou esquecer? Se vou na praça dos taxis não é porque tenho saudades do Sr. Teles ou de ir na sua Farmácia, ou de andar de carro de praça, é mesmo só porque eu gostava de estar parado na bomba da Fina a olhar as pessoas que passavam e diziam bom dia miúdo e eu educadinho lhes agradecia. Se vou no Horto não é porque eu gosto de flores a esse ponto, é mesmo porque a beleza do lugar me levou lá, antes de ir no Mucaba cumprimentar os amigos e amigas que tenho espalhado por uns aí da minha pequena cidade que se esconde na areia e entra no mar.
Eu me cuidei, eu olhei bem, eu decorei pormenores, eu me recordo de nomes só para poder dizer assim num dia como o que é hoje eu sou o que me deixaram ser desde esses tempos mais profundos até num agora que me sento a palavrear estas recordações nostálgicas que até parecem o filme da minha vida passado a cores
12 de novembro de 2021
porque gosto
Aproveito o brilho do sol para pôr os meus caminhos em dia. Sempre me disseram que os dias se fazem caminhando. Faço-o. De vez em quando tropeço numa ideia. Por vezes vaga por vezes cheia. Na verdade vejo que a solidão se trata com amor-próprio. Propriamente dito.
Se eu não me gostar como é que tem gente que me possa gostar?
Passo entre passo e passo-me a palavra ao pensamento e tropeço nesta ideia que me faz caminhar o dia inteiro. Faço-me por me gostar. Não faço para agradar. Gosto. Não posso gostar do erro. E às vezes erro. Dou conta e corrijo. Às vezes não dá, porém sei que este não vai ser repetido. Gosto-me por ser assim.
Aproveito o sol e vou por aí tropeçando-me em labirínticos pensamentos que me agradam. Deixo-me ir com gosto.
11 de novembro de 2021
Nasci de morte para morrer de parto
Nos dias de vento até que fico mais que assustado. É que a vida é um sopro e vai-se num instante. As caminhadas vão-se fazendo e a vida vai-se gastando. Se a gente começasse do fim até que dava jeito, embora não tivesse a piada da incerteza, a ansiedade do futuro e o prazer da descoberta. Não tinha piada saber do amanhã que foi o nosso ontem.
Nasci de morte para morrer de parto.
Complicado mundo este das caminhadas pensantes.
Todas as estradas antes eram nada, depois arranjado caminho, feitas todas as correções, requalificadas as imperfeições e se chegam a estadas. A vida também é assim, mesmo que tenhamos tendência para piorar com o tempo, aprimorar defeitos e esconder virtudes . Afinal de contas é melhor ser um pessimista contente que um optimista deprimido.
10 de novembro de 2021
Vai-te embora solidão...
Neblina matinal, calor vespertino e frio ao pôr do sol. E eu caminho pelas ideias feitas, pelos caminhos imperfeitos, cansado de parecer parvo.
Às vezes tem hora da gente se perguntar se está tudo bem. Cansa de correr atrás, repetir, insistir e ver se está tudo no como deve ser.
Eu dou abraços a quem quero, beijos a quem merece, lágrimas na hora certa e causa devida. Errar humano é porém não aguentar o peso da consciência não é natural nem suportável. Desconsciencializei o pensamento de culpa, erro porque sim e não porque quero, vivo a vida do dia e sem trocar de passado a olhar o futuro.
Se a minha voz fizesse eco num quarto vazio, se os meus olhos não se cruzassem com um outro olhar, se os meus lábios não sorrissem, eu saia pela rua fora e ia ver-me o que tinha de errado, independentemente do estado do tempo, do arfar do coração batido num faz tempo que até me esqueço que o tenho.
Eu estou aqui com tudo o que tenho direito e também o esquerdo. As lágrimas seco-as, os sorrisos sorriu e as dores esqueço-as. ~
Vai-te embora solidão...
Sanzalando
9 de novembro de 2021
culturalmente Lorca
Um dia, caminhava entre mim e eu enquanto lia Lorca. Quase cem anos depois a frase ainda me tem significado: ' não me preocupei em nascer, não me preocupo em morrer'. Simples e directo enquanto ando eu aqui em rodriguinhos a ver se tenho tempo para o tempo que gostaria de ter. Ando aqui a ver se a renuncia à minha origem me mantém nas asas da liberdade e a dor da saudade me faz recuar ao tempo de nascer.
Volta Lorca, preciso compreender o teu desapego, ao passado e ao futuro.
Sei que não sou poeta, sei que ando nos círculos das frases musicadas no tom duma voz que me diga para onde ir sem ser por ali, caminho fácil e sem espinhos. Sei que não é poeta quem quer e a 'poesia não quer adeptos, quer amantes'.
Sei que para ser feliz não preciso de razões. Sou-o.
8 de novembro de 2021
certidão de nascimento
Fui na Paróquia pedir uma Certidão de Nascimento Narrativa Completa. Foi assim que a minha mãe disse para eu dizer. É assim mesmo uma folha de papel escrita à mão a dizer que eu sou aquele ali sem tirar nem por. A caligrafia que hoje já não se usa está ali desenhada uma leitura tão fácil que não deixa dúvida de letra nenhuma. Se fosse hoje era uma impressão em jato de tinta ou laser, impessoal e perfeitamente reprodutível numa forma qualquer. Mas a minha Certidão de Nascimento Narrativa Completa nem apetece deixar na escola de condução. Acho desisto de tirar a carta e vou moldurar para nunca me esquecer quem sou.
7 de novembro de 2021
caminhar
Caminho lentamente sobre cada pensamento. Acompanho o ritmo lento do frio que me chega aos ossos. Faz de conta ouvi o rugido dum leão dentro da minha cabeça, os seus enormes dentes arranham-me a alma, a sua juba esvoaçando no movimento da cabeça roçam a minha cara, interiormente sorrio porque me sinto ainda vivo.
Caminho lentamente contrariando um furacão que se forma dentro de mim, uma vontade estranho de desmontar o mundo. de bater portas, assas e voar num daqui para longe, ao mesmo tempo que sorrio porque tudo é sinal que estou ainda vivo.
Caminho lentamente como quem acompanha o passo lento dum amigo avançado na idade, como quem não tem pressa de ir mais além, nem vontade de chegar. Sorri porque ambos ainda estamos vivos.
Sanzalando
6 de novembro de 2021
de memória ao presente
Era um quase Novembro, sem ter acabado Outubro. Lá no norte era outono e aqui neste sul quase verão. Ia, parece, ser um verão cinzento, carregado de saudades, lágrimas e testemunhos de ódio e rancor. O ritmo de cada dia era acompanhado por martelos a bater em pregos e intervalos de rajadas que não se sabia de onde para onde, mas parece eram mesmo ali ao lado. Todos os olhares eram cúmplices de medo e ódio. Uma lágrima de saudade futura caía em cada rosto dos cada vez menos que se viam. Ninguém queria mostrar o que lhe ia na alma.
Uma a uma se sabia que havia partido na véspera. Todos partiam na véspera ou só eu é que sabia no dia a seguir? Eu estava desligado, aluado ou somente apaixonado. Ainda hoje não sei o que sentia. Os anos passaram eu caminho no meu caminho aparentemente sem me desviar dum traço que um dia não desenhei, não pensei nem executei, e não sei o que foi que é que me deu de sentir. Rancor, ódio ou medo? Deslembrado por completo. Acho, ao que me lembro, tinha medo da véspera. O amanhã eu sabia eu ia partir também.
Estava cansado da milícia, estava cansado da militância, estava cansado de ver o medo nos olhos que não mostravam o que sentiam.
Um dia, tal como aos outros chegou a minha véspera e eu parti. No dia seguinte não sei se alguém deu pela minha falta. Mas eu parti na minha véspera.
A minha alma foi-se moldando, a minha saudade foi-se fazendo, a minha memória foi-se cimentando, crescendo amadurecida e o passado tornou-se num lugar belíssimo, transparente de luz e calor.
Com o tempo fui enriquecendo. É, passei a saber quem sou, a ter os amigos que tenho, a ter memória e a dar valor ao meu passado sem medo de mostrar o que sinto, sem vergonha de olhar nos olhos e dizer eu sou este, seja a quem for. Vertical, mesmo que já curvado pelo peso da idade, recto nos princípios da linha desenhada naquele traço fino do qual não me desviei.
Um dia alguém vai dizer que eu pinto com palavras o meu passado, que transcendo a minha vida de memórias e retrato a minha cidade de cores garridas num futuro de paixão.
No meu epitáfio estará escrito que fui um altruísta obscuro, que nasceu para um dia morrer num emaranhado de memórias, saudades, nostalgias e pinceladas de amor pintadas numa tela gigante chamada existência.
5 de novembro de 2021
ter passado é bom
E não é que o sol voltou a brilhar parece é verão. Mas só no brilho pois no calor é mesmo o outono deste lado de cá. O meu tremer não me engana. faz frio que até a alma se arrefece parece é gelo na noite mal adormecida. Eu espero que os meus dias melhorem, que as minhas palavras me aqueçam e a minha saudade me eleve a um patamar de calor intenso que até parece estou nos trópicos.
Eu não me dou de vencido assim facilmente e nestes muitos anos que passo aqui no lado norte do equador ainda não me venci de saudade, ainda não me matei dela nem a assassinei por mais golpes que eu dê.
Tem só assim coisas que a gente desconsegue esquecer, pelo que lutar não vai valer mais a pena por causas que a gente sabe não vai vencer. Assim a gente vive-las, alimenta-as e ainda consegue sair sorrindo, carregando esse fardo nas costas.
É bom ter saudade porque é bom ter passado.
4 de novembro de 2021
delírios
Me deixo só seguir por aí num vagabundar de coisas perdidas e pensamentos falhados. Se eu não fizesse mais nada ia demorar uma eternidade nesse vagabundar. Assim sendo, com a certeza de não o concluir, eu vou misturando acertos e verdades imaginadas. Fiquei com a desculpa dos acertos para o falhanço.
Esperei tantas vezes pela realização dos sonhos que me esqueci de acordar. Ajustei minha rota no teu caminho que me perdi num acidente de olhar. Era noite escura e não vi que a lua estava encoberta porque era inverno e fui tropeçando em sombrias imagens de pesadelos tidos.
Delirei uma vez mais nas palavras que pinto no meu retrato.
3 de novembro de 2021
saudade
Debaixo da sombra da saudade escrevo os nomes da minha infância, assim como se escreve amor no tronco duma arvore, uma tatuagem eterna prometendo um amor.
Por mais voltas que dê não consigo largar este sentimento, esta dor muda e sombria que alguém apelidou de saudade.
Tenho saudade dos tempos infantis. Da adolescência e seus amores, tantas vezes não correspondidos, são mais que muitas. Jovem adulto fui criando um nome que me foi crescendo sem me pesar nem me modificar e sem apagar ou desbotar um pouco que seja essa dor garrida da saudade. Os cabelos se tornaram ralos e esbranquiçados e os caminhos todos me levam à saudade.
Tenho saudade desde o primeiro dia que tenho memória. Tenho saudade do feito. Coração emaranhado nessa teia de saudade, garrida e sombria conforme os estados de alma. Tenho só assim essa coisa dentro de mim como quem tem sangue a lhe correr nas veias.
Vou fazer mais como? Um poema ou um lamento? Acho vou só ficar a olhar para ela com saudade do tempo em que eu não a tinha.
2 de novembro de 2021
tempo tempo
No outono deste lado de cá, a norte do norte da minha terra, sendo tempo de outono que eu ia dizer era cacimbo, mas assim estaria a imitar o tempo do sul a sul da minha terra, me apetecia diezr que precisava que o tempo tempo parasse. É que eu tenho coisas para resolver e não sei se terei tempo tempo para o fazer. Com o tempo assim nem parece que o tempo tempo passa veloz que nem gazela, voa que nem andorinha e se gasta que nem sola de sapato deste pobre caminhante.
No lado de cá, a norte do meu norte, ainda há coisas para fazer mesmo que eu passe o tempo tempo a olhar para o meu sul sul. Como eu vou conseguir tirar o meu passado de dentro de mim e caminhar num futuro que seja um bocado diferente, nem que seja no estado de ansiedade mesclado com saudade e nostalgia, borrifado com pós de adaptação?
Como é que eu vou descolar-me da terra onde ficou a minha placenta, cordão umbilical encavado na memória?
Neste silêncio outonal encho-me de pensamentos barulhentos. Como posso ter sossego neste tempo assim? Dêem-me tempo tempo para eu esquecer do tempo passado
1 de novembro de 2021
zulmarinho
Pelas bandas daqui chove que parece é só para irritar. Molha mas não se vê as micro gotas que caiem vindas lá do céu. Minha avó ia dizer era molha tolos, mas como eu não sou tolo não lhe repito a frase. Molho-me apenas.
Com este tempo é mais difícil fazer caminhadas, amadurecer ideias, meditar ou simplesmente soliloquiar-me.
Olhar o zulmarinho torna-se difícil pois parece caiu um cacimbo nos meus olhos, os óculos tornam a imagens irregular porque as gotas parecem são lentes, e a mente só imagina as memórias do outro zulmarinho que é este mas mais lá longe. Ele é misterioso, formoso, às vezes calmo outras tempestuoso que até nem cabo das tormentas. Mas o que é verdade é que eu gosto de ver este ondular, regularmente irregular, balanceando o meu barco imaginário e escondendo-me a sua profundeza.
Eu, mesmo com essa chuva lhe gosto de admirar e deixar os meus pensamentos serem lavados pela lindeza desta vista.
Com o olhar eu consigo chegar ao outro zulmarinho porque afinal de contas ele é eu.
Sanzalando
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