Era um quase Novembro, sem ter acabado Outubro. Lá no norte era outono e aqui neste sul quase verão. Ia, parece, ser um verão cinzento, carregado de saudades, lágrimas e testemunhos de ódio e rancor. O ritmo de cada dia era acompanhado por martelos a bater em pregos e intervalos de rajadas que não se sabia de onde para onde, mas parece eram mesmo ali ao lado. Todos os olhares eram cúmplices de medo e ódio. Uma lágrima de saudade futura caía em cada rosto dos cada vez menos que se viam. Ninguém queria mostrar o que lhe ia na alma.
Uma a uma se sabia que havia partido na véspera. Todos partiam na véspera ou só eu é que sabia no dia a seguir? Eu estava desligado, aluado ou somente apaixonado. Ainda hoje não sei o que sentia. Os anos passaram eu caminho no meu caminho aparentemente sem me desviar dum traço que um dia não desenhei, não pensei nem executei, e não sei o que foi que é que me deu de sentir. Rancor, ódio ou medo? Deslembrado por completo. Acho, ao que me lembro, tinha medo da véspera. O amanhã eu sabia eu ia partir também.
Estava cansado da milícia, estava cansado da militância, estava cansado de ver o medo nos olhos que não mostravam o que sentiam.
Um dia, tal como aos outros chegou a minha véspera e eu parti. No dia seguinte não sei se alguém deu pela minha falta. Mas eu parti na minha véspera.
A minha alma foi-se moldando, a minha saudade foi-se fazendo, a minha memória foi-se cimentando, crescendo amadurecida e o passado tornou-se num lugar belíssimo, transparente de luz e calor.
Com o tempo fui enriquecendo. É, passei a saber quem sou, a ter os amigos que tenho, a ter memória e a dar valor ao meu passado sem medo de mostrar o que sinto, sem vergonha de olhar nos olhos e dizer eu sou este, seja a quem for. Vertical, mesmo que já curvado pelo peso da idade, recto nos princípios da linha desenhada naquele traço fino do qual não me desviei.
Um dia alguém vai dizer que eu pinto com palavras o meu passado, que transcendo a minha vida de memórias e retrato a minha cidade de cores garridas num futuro de paixão.
No meu epitáfio estará escrito que fui um altruísta obscuro, que nasceu para um dia morrer num emaranhado de memórias, saudades, nostalgias e pinceladas de amor pintadas numa tela gigante chamada existência.
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