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20 de fevereiro de 2023

Estória 03 - amor de passar tempo

Daqui sentado, onde o zulmarinho não me toca mas eu lhe vejo e lhe sinto, me perco absorto nos meus pensamentos e navego até uma qualquer outra paixão que não a primeira. Era simples e muito mais real. Ela gostava de mim assim de graça, sem favor nem esforço. Ela queria ter a minha presença e me conhecer no fundo da minha existência. Era ela simplesmente mulher e não deusa como a outra que eu me apaixonara pela primeira vez e pela primeira vez eu tinha morrido de amor. Agora não morria de amor mas gostava da sua presença porque ainda estava de meu luto anterior e no meu pensamento ainda morava a desilusão. Era bonita. Morena e não alta. Sorriso fácil e simpático, não mexia com a minha imaginação nem me levou a promessas incumpriveis. A caminho do lugar de trabalho eu parava lá e lá me perdia em conversa em conversa mole e sorridente. Um beijo de fugida não fosse alguém ver e me comprometer numa definitiva opção. A minha porta tinha que estar aberta porque qualquer ressurreição era-me bem vinda naquele luto que parecia eterno. Afinal eu não morria de amor e se calhava nem o sentia. O vazio estava custoso de encher e naqueles breves instantes eu estava bem, depois vinha o remorso. Quando saia do trabalho e se era cedo acontecia o mesmo e enquanto passava no parque infantil, na conversa agradável eu sentia aquele vazio interior, parecia tinha ocupado todas as minhas essências e vísceras. Lembrava sempre aquele rosto de Mona Lisa que parecia estava tatuado na minha memória com escopo e martelo. Sentia vergonha de mim mas no dia seguinte repetia a dose como se eu estivesse interessado em me curar da minha primeira morte que parecia era a definitiva. Mil vezes dizia hoje foi a última vez e não era.
Daqui, olhando para aquele tempo, saboreando a maresia do zulmarinho, eu penso brinquei com a sorte de ser feliz, momentos divagantes de rara inspiração, em que me entregava num fácil se deus quis assim eu serei. 
Se eu me tivesse apaixonado mesmo teria sido a minha segunda morte de amor, pois ela descobriu que o meu pensamento ainda não tina curado e que aquilo era um passatempo de faz de conta, um desconfortável momento de laser, uma derivação de conforto. Levei corrida de impopulares palavras que nem o meu sorriso boémio seria capaz de as repetir sem corar.
Olho bem para esse meu passado, bem passado, sorrio e num silêncio berrante, me lembro que usei esse tempo para confundir paixão, último degrau de amor, com doença incurável de querer um para sempre, quando ainda tinha idade para até logo à tardinha devia chegar. Eu me senti amado, realmente amado porem magoei nos flashes da minha fantasiosa maneira de ser feliz. Fui real e ruim e ainda hoje sinto-me mal por mim.



Sanzalando

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