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29 de outubro de 2023

a crescer devagarinho

Eu ainda não tinha direito a andar de calças compridas, era os meus calções com suspensórios, sapatos de verniz a camisa branca, no traje de domingo. A minha avó vestia o seu saia e casado de xadrez branco e preto e punha uma cor nos seus olhos com um lápis, sempre sentada no pechiché de espelho ao alto e duas ou três gavetas laterais onde guardava o seu pó de arroz, a sua base e outros cremes que eu não sei para que eram. Matematicamente a sexta à tarde ou sábado de manhã era passada na casa da D. Carlota, primeiro em cima da Drogaria Rosa e depois ao lado do Colégio das madres, sua cabeleireira. Domingo lá íamos todos bonitos primeiro na missa e depois no jardim das buganvílias ou matiné do Eurico. Depois eu já usava umas calças de ganga, que não eram de marca porque essas só por encomenda e o dinheiro não havia para gastos assim. Então se mandava fazer à frente da Cimpor umas calças de ganga que não eram iguais mas fazia massagem na banga deste modelo dominical. A missa ficava para trás e o mais importante era o santo sacrifício da sua saída. Depois era um passeio até aos arcos ver se alguém tinha ido na praia, era almoço e como tinha havido dia de festa na véspera se comia a feijoada seguida do leite creme que arrefecia na janela da dispensa, longe das mãos gulosas. E foi depois de muitas dessas festas que eu passei a ter direito a usar calças e herdei as várias gavetas do pechiché da avó para guardar a minha roupa e todo o cuidado era pouco para a roupa dos domingos e outras festas. 
E foi assim devagarinho, ano após ano que eu voltei a ter o direito de usar todos os dias calções, chinelos ou sandálias e a não me preocupar que é que iam dizer.



Sanzalando

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