recomeça o futuro sem esquecer o passado

Podcasts no Spotify

31 de maio de 2023

olhar desde aqui

Olho deste ponto onde vejo o zulmarinho numa maior dimensão. Ele não cresceu, eu é que subi na falésia para lhe ver mais, pois daqui consigo atirar o olhar para pontos mais diferenciados que a pequenez da minha altura. Daqui consigo vislumbrar que a vida é feita de equilíbrios de ilusões e desilusões, aceitações e decepções, de cores brilhantes e cinzentos pensamentos, de doçura e amargura. Pequenos ventos tendem ao desequilíbrio pelo que toda a atenção deve ter um foco. 
Desde aqui consigo saber que a saudade é um ponto de luz ou de escuridão, tudo depende apenas da forma como a olhamos ou sentimos. Daqui, onde parece que me refugio, vejo que a linha é tênue e facilmente quebrável, pelo que devo estar atento e não esquecer a minha humanidade e proteger-me da falibilidade de deixar escorregar o pensamento para a tristeza cinzenta e fácil. 
Olho e encho-me de recordações felizes dos meus tempos de menino passados no além zulmarinho, ponto onde ele nasce. Triste? Nem pensar, rico por ter recordações.

Sanzalando

30 de maio de 2023

fazer mais como o quê?

Ai vou eu na minha caminhada, de rua em rua, de praia em praia e encontro-me com gente a fazer o seu próprio luto. É gente que caminha cinzento, ar pesado e costas curvadas, lábios cerrados e olhar vazio. Vão ganhar mais quê? Se escondem na ansiedade, se mesclam de sofrimento e transportam a vida no peso da consciência. Vão viver mais como?
Eu vou e lhes tento distrair, procurar um sorriso ou polir um olhar. Me olham como se eu fosse um extra-terreste, um deslugar tenente da loucura ou simplesmente um pensador tresloucado. 
Não me apetece ser morto-vivo nem fazer um luto desfalecido. Sorrir enquanto caminho, ler enquanto luto, mesmo que a minha luta seja uma intelectualidade vazia de frutos porém carregada de alegria, da verdadeira alegria de estar vivo.


Sanzalando

29 de maio de 2023

os pensamentos

Nesta caminhada tantas vezes penso onde ficarão os meus pensamentos pensados? Será que há algum espaço assim no céu onde eles possam ficar arrumados para mais tarde eu ir lá buscar e pensar melhor? Dava-me muito jeito saber essas coisas pois eu acho que sempre haverá um pensamento a melhorar. Ou simplesmente eu podia lá encontrar algum pensamento esquecido e que mereça simplesmente ser repensado. Ou será que podia encontrar os teus pensamentos também lá? Era giro saber o que é que tu alguma vez pensaste de mim. Será que eu ia ficar indiferente se confirmasse que tu nunca me tinhas pensado? E assim num raramente será que ainda não pensas? Os pensamentos pensados devem ter que ficar arrumados nalgum lugar. Era imperdoável que assim não fosse. Já viste o gasto de mente que é? Como é que eu posso ter humor se não sei onde se guardam os meus pensamentos velhos a necessitar de recauchutagem?
Já sei que é melhor nem pensar...


Sanzalando

28 de maio de 2023

às vezes

Se me sento na areia de muitas cores da minha praia e me levo por pensamentos faz de conta não têm fim, eu vou concluir que tem momentos que é normal não estar bem. Ninguém está sempre bem. Retórica verdadeira, apoiada nos mais de muitos artigos filosóficos e modelos experimentais. O bem é estar à procura de estar bem. Não é sentar no sofá e esperar o bem chegue. Às vezes os olhos choram, às vezes a cara está triste. Tem momentos de tantas vezes que só o equilíbrio de procurar é que faz estar bem.
Eu sei que amanhã acordarei bonito e isso me chega por hoje neste agora.


Sanzalando

27 de maio de 2023

imortalidade de cada estória

Hoje me apetece ficar a olhar no mar. Esse zulmarinho que me liga até no lugar do início dele, ponto onde me nasci, ponto onde me tornei perpétuo. Sim, sim. A minha estória fica mesmo que esquecida por todos. Ela está escrita em palavras de silêncio, em ventos, leste, sueste ou gelados do norte. A minha passagem ficou marcada, bem ou mal é uma questão de opinião e não é nem por mim discutida. 
Hoje, olhando esse azul que faz do meu zulmarinho um sonho interminável de ser criança em cada momento, fui buscar gente, momentos, diálogos, passagens, imagens. Tudo com os seus sentimentos. Presentes no ainda agora. Curiosamente não parecem ser um labirinto impenetrável e perdível na mente. Tem tanta gente na minha estória que tem pegadas que eu já nem me recordava e, de repente, záz, aqui está. 
A imortalidade de cada estória.



Sanzalando

26 de maio de 2023

EU

Eu quero caminhar com passos seguros mesmo sem saber para onde vou. Não quero tropeçar nos caminhos da ignorância, rasteirar na altivez ou baloiçar na dúvida. Quero só mesmo seguir o meu caminho, seguro e senhor de mim.
Isto vem no propósito de eu estar a caminhar sobre passados que me estão presentes, sobre alicerces da minha formação, querendo levar o meu coração até ao supremo topo: EU. 
Eu gosto de mim. Primeiro ponto certo e sem margem para qualquer dúvida. Seguindo o meu caminho não há maneira de ser diferente, de fazer diferente. Sorrindo serei eu, o mais importante de mim, o equilíbrio do movimento, da razão e do ócio. Eu. Vou fazer mais como?


Sanzalando

25 de maio de 2023

realidades imaginadas

Vou só por uns aís ver o que se passa no mundo. Eu sei que a pé não vou longe, mas o meu mundo vai para lá do real, vai até no imaginário mais aparente impossível. É, a gente não entende quanto é fácil perder toda a nossa evolução. Um dia estás bem e no outro chegaste ao inferno. Não consegues recuperar num golpe ou numa bassula, num gesto mágico ou num click de dedos. Quando pensas que te livraste do inferno vem uma trovoada te levar na enxurrada e desconsegues respirar e recuperar. Cais e não te levantes e até parece a gravidade está contra ti. Tudo é grave. 
À tua volta tudo é escuridão.
Mas é bom que te treines a pensar que o sol és tu, centro do universo e de alguns arredores. As sombras e os lugares cinzentos são fantasias dos olhos e da cabeça e o inferno somos nós que o inventámos.
Vou só por aí, alertando para as realidades imaginadas.


Sanzalando

24 de maio de 2023

estória de amor

Faz cacimbo que nem no tempo dele. Acho não dá para ver o Liceu. Acho que nem dá para ver os poucos carros que circulam. Vou fazer mais como para ir nas aulas e receber as lições de História, Geografia e desenho se não consigo ver um palmo à frente do nariz? Acho vou ficar aqui absorto nas minhas memórias duma paixão antiga, naquelas que na altura nem tinham graça porque eram uma desgraça. Eu lhe gostava e lhe impunha a minha presença. Quando eu não aparecia ela me chamava. Quando eu chegava ela me olhava como quem me avisava que eu tinha que estar ali faz tempo. Mas de facto nunca lhe ouvi dizer que me gostava e isso me deixava triste. Se calhar fui eu quem percebeu mal e esse amor era unilateral e o resto era fruto da minha imaginação e sofrimento. Recapitulando todas as palavras que lhe ouvi na minha vida adolescente só sobrava aquele olhar de coração. Não me lembro de nenhuma promessa ou jura de amor. 
Quando me olho nesses tempos e encontro todos esses momentos eu fico assim esvaziado e até sinto um bocado de vergonha por ter sido tão infantil, ao ponto de não perceber que Camões dizia que amor era fogo que arde sem se ver e ela não via, eu não via. Eu, da minha parte sofria. Mas não vou ter vergonha. Eu até que gostava de sofrer de amor. falava e não me calava e todo o silêncio era grito na minha solidão. Eu não estava senil nem tinha esquecimentos de memória. Lhe gostava e falava, menos com ela. Com ela eu divagante, imaginativo e enchia meus sonhos de delírios irreais e a minha cabeça até que fervia. Eu sabia os passos, os horários e os tons de voz. Mas eu não lhe dizia, estava desconfortavel no meu conforto de amar assim platonicamente. 
Esse cacimbo não esconde esse passado nem o desconforto de agora ao lhe recordar. Santa Inocência devia ser a minha padroeira se eu fosse pessoa dessas coisas. Acho até que as nossas linhas astrais se cruzavam na perfeição. Não que eu tivesse consultado os astros mas o amor só me deixava ver esse claro que nem água. 
Hoje, ouvindo esse silêncio ensurdecedor e irritante, me confunde na paixão boémia dos poetas do antigamente que eu imitava ser.
Eu me senti amado, de modo irreal, porque irreal era o amor que eu tinha declarado. Sentido de forma sobrenatural, ultrapassando de forma transcendental, uma adolescência real. Só me podia fazer mal. E tão mal me fez que cresci e deixei a adolescência para trás, com mágoa e sonhos a realizar.
O sol que queimou a minha pele, os quilometros que percorri para lhe ver, as madrugadas que percorri para não lhe perder, os silêncios que engoli para não lhe sofrer, fazem parte deste cacimbo que cai que nem no tempo dele.
Foi um amor real, porém ruim, pelo menos para mim. Senti desconforto, desesperei, cheguei a bom porto e renasci. 
Hoje posso dizer que, sentado na varanda da minha casa, cacimbado tempo este, me faz dizer-te que gostava de te falar de passados que vivi sem que tu tenhas notado e os tenhas perdido. 
Faz cacimbo, meteorológico e na vida, e eu não quero esquecer as coisas bonitas que a minha imaginação me fez viver e sentir. 
Todos temos uma estória de amor para recordar, um desmoronar poético para reconstruir. Tu és o meu poema inédito que não escrevi.
 


Sanzalando

23 de maio de 2023

sou

Me deixo embalar no meu passo lento e vou calcorreando o caminho num aparente destinado vago. Não olho o chão, olho em frente como quem não sabe o que é que lá está. Para trás decorei os caminhos por onde andei, para a frente logo mais vou recordar. Quantos mais passos dou mais parece me apaixonei. É inacreditável como é que tem gente que não gosta dela mesmo. A gente é perfeito. Eu sou o mais perfeito ser de mim. Pode ter clone, pode ter avatar, pode ter sombra. Nada me iguala. O meu olhar, o meu sorriso, o arrepio ou os saltos de alegria. São meus e o resto é imitação. Só eu ocupo o meu lugar. Só o meu olhar transmite o que eu sinto. Como é que pode eu não ir gostar do que está à frente? Dou mais cor, dou mais brilho. Não, a minha mente não vai ficar branca que nem o vazio, tremelicas que nem o medo, cinzenta que nem trovoada mental. Eu sou uma pessoa e logo eu sou pessoa linda. Eu sou o mais lindo de mim.


Sanzalando

22 de maio de 2023

caminhos

Me deixo embalar enquanto caminho. Quase durmo. Vou assim num pensar que quase sai de mim e fui para outra paragem longe de mim. Será que sou o inquilino perfeito para o meu corpo? O meu corpo tem imperfeições e eu sou quase perfeito... Tenho coisas boas, tenho coisas más. Mas eu sou maravilhoso. Não tenho medo dos anos que passam nem da vida vivida, não tenho saudades doentias e a nostalgia é uma parte integrante de mim. Tenho medo que haja vida que não vivi. Tenho emoções, quando triunfo ou quando não.
Tenho tempo para ir aprendendo. E vou.


Sanzalando

21 de maio de 2023

praia deserta

Dizem que começou o cacimbo e que não devo ir na praia. Me marimbei e fui. Tem dias que a gente deve fazer o que vai na cabeça da gente e mais nada. Ela estava vazia. Um parzinho de namorados lá atrás nas arcadas, a areia estava vazia e eu olhava o mar sem coragem para lhe ir dentro. Eu só pensava que devia era estar em casa a olhar para ver se te via mas eu me ia sentir aniquilado, maltratado e se calhar ia no futuro ser deprimido. Na verdade sem ti aqui na praia eu também me sinto em morte lenta. Qual é que vai ser melhor? Aniquilado ou morto lentamente? Nem quero nem saber e acho melhor mudar de pensamento que de futuro eu não quero ser cinzento como as noites de cacimbo. Desatei a sorrir-me sem ter coragem de ir mar dentro. Só de olhar estava arrepiado. O que vale é que o meu sorriso me retira dos altos e baixos do pensamento e aqui estou eu a olhar faz de conta do outro lado também há vida.
A praia deserta, eu a sorrir, a água aparentemente fria e tu se calhar nem sabes que eu existo nesta fase de roubado coração.´
Acho ia ter um ataque de coração se eu visse um certo carro estacionar perto do para de namorados.


Sanzalando

20 de maio de 2023

as minhas vozes

Todos os meus caminhos têm uma voz. Nem que seja a voz da minha consciência. Às vezes é a voz dos meus medos, outras da minha alegria e outras são vozes que nem chegam aos céus. Eu às vezes ligo-as e outras lhes olho com olhos de ver vozes insignificantes e sigo selectivamente surdo sigo o meu caminho. Há vozes que gosto de ouvir ao fim de tarde porque contrastam com a cor de fogo do pôr-do-sol, outras que gosto de ouvir noite alta no sossego do meu quarto, outras ao amanhecer. Gosto de ouvir a voz do romper da aurora. É ela mesmo que me molda o dia. É rara a vez que ela não é o meu bálsamo, o meu banho de argila. 
A voz que às vezes me engasga, a outra que me segura, outra que me enerva, outra ainda que me grita, são vozes da minha consciência. Acho que ela é assim um pouco a dar para o doidice. 
Eu gosto das minhas vozes e gosto de as contrariar, quanto mais não seja para eu ter liberdade de escolher a minha voz de cada momento.


Sanzalando

19 de maio de 2023

andando por aí

Quando ando por aí, tropeçando pensamentos, ideias ou sonhos, vejo cada coisa que até parece eu deliro em febre alta. Eu sei que cada ferida tem a sua própria estória de cicatrização, cada dor tem a sua causa, cada morte tem o mesmo fim.
Tem momentos que necessito de cada minuto meu e tem alturas que parece tenho a mais.
Quando ando por aí encontro caminhos cruzados e penso noutros que o poderiam ser mas teimam em ser paralelos. 
Quando ando por aí, sabendo que eu sou a personagem principal da minha estória, mesmo sabendo que às vezes tenho de ser secundário. Não há ciência que explique a realidade de cada instante, porque é único e tem variações de espectativa.
Quando ando por aí, sem ser aos caídos por mim, dou comigo a viver cada instante como se fosse o último.

Sanzalando

18 de maio de 2023

culturalmente vago

Deixo-me ir pelo meu caminho, mente aberta porem encerrada para qualquer distúrbio. Ruídos e distrações supérfluas me deixam irritado porque me desconcentram do nada fazer e do ser livre de levar as minhas palavras mentais pelos caminhos que eu entender. 
Não dou valor aos meus bens de riqueza, ao meu lado bolorento e rançoso, ao meu defeito genético ou feiura facial. 
Dou importância à embriaguez cultural, às páginas dum livro novo ou velho, que acrescentem mais valias ao meu conhecimento, aos curiosos que tudo querem saber e fazem coisas por isso, às viagens humildes onde não me encerro em lugares fechados, mas vou em busca de coisas comuns, de pobreza à riqueza, aos extremos da condição humana. Dou importância â amizade desperguntada ou julgativa, desconseguida de segundas intenções. Dou importância à presença inesperada e ao lado criativo dum estar constante mesmo que ausente.
Desconsigo ter saudades doentias de estares que foram passado, de momentos que alicerçaram o meu estar. Descristalizei o meu estado de espírito e levo-me pelos caminhos que quero, como quero, na liberdade criativa dum ser pensante. 
Não me cobrem rancores nem outras dores que eu não causei. 
Não me obriguem a ser uma cópia falsificada de mim.
Deixem-me ser livre no meu canto fechado, no meu quadrado mental, na minha solidão recheada de gente boa.
Genghis Khan sentia-se como executor de uma missão divina "Um único sol no céu, um único soberano na terra", falando de si mesmo. 


Sanzalando

17 de maio de 2023

introspectivamente

Meto-me ao caminho de mim, forma certa de me encontrar e ser feliz. Eu sei que não posso estar disponível para os outros o tempo todo. às vezes sinto-me saturado, descozinhado, maltrapilhadamente só e necessito o meu espaço, o meu tempo de desasfixiar-me, de me reencontrar no meu mundo, porque tem coisas que pesam mais do que eu posso aguentar, porque me entristecem mais do que eu devo e porque me irritam o que me é por mim vedado. Assim meto-me ao caminho de mim e desapareço dos olhos estranhos que me vêm e não sabem que eu não sou aquele ali. Descomplico-me na solidão do reencontro.
Afinal de contas que melhor prenda me posso dar se não tempo, atenção pessoal e reconhecimento?!
Mas nem todo o tempo do mundo me permite a constante introspecção e por isso eu sigo adiante como se não tivesse futuro. Estou sempre no meu presente, assente os pés no meu passado. 


Sanzalando

16 de maio de 2023

João Carlos Carranca - Mar de Letras - Artes e Cultura - Artes e Letras - RTP

João Carlos Carranca - Mar de Letras - Artes e Cultura - Artes e Letras - RTP

me olho em debate comigo mesmo

Como é bom olhar-me no espelho e ver que a criança ainda existe em mim. Estamos no ano 2023 mas posso bem estar a pensar em 1965 e por aí em diante. A minha existência tem passado, passado esse que é a minha memória, alicerce do que sou hoje. Não olho para as rugas, pé de galinha ou alopecia esbranquiçada duma moleirinha a pelar por sol em demasia.
Olho no espelho e me apetece falar de tantas coisas que pensei ao longo deste tempo que passou. Sabes também gostava de te ouvir falar sobre o tempo que passámos. Não vou entrar em ansiedades nem querer obrigar-te a falar. Tenho tempo para esperar te  venha a vontade de saber como estou, quem sou e me dizeres como me viste. 
Não, não vou pensar que o teu pensamento sobre mim seja uma mancha escura, um erro, uma caligrafia mal desenhada, um amor desamortizado pelas minhas incoerências, minhas ausências e minhas aventuras. Eu sempre fui muito mais que isso, te avanço numa previsão de pensamento teu. Amar amei sem pedir nada em troca, fui e voltei sem que alguém me chamasse. Deambulei desenhando um norte que podia ser outro ponto cardeal, despreocupado estava desde que eu soubesse onde ir. 
Não vou pensar nos meus erros nem no que podias ter feito para que eu não os cometesse. Não vou entrar em debate. Não o quero de todo, porque a vida levou-me a tantas partes que todas elas fazem parte de mim neste agora.
Se te olhava como um derretido, nunca te olhei como um súbdito. 
Anda daí e dar uma volta na nossa adolescência, falar de coisas bonitas, ver as nossas ruas e nossos caminhos. Anda, vamos recordar.


Sanzalando

15 de maio de 2023

as trevas

Haverá caminho sem trevas? Até o zulmarinho tem dias que nem se pode chegar pertinho dele. Um dia, era ainda criança de sandália e calção, estava na marginal a ver o mar deitar toda a sua raiva quase até na falésia. A estrada e os caminhos de ferro desapareceram por baixo duma lama que nem sei donde veio. Eu me lembro fiquei ali a lhe olhar e me perguntar porque é que o mar também se zanga? Desconheço a resposta mas deve ser só porque quer pôr cá fora dele as coisas que os humanos lhe fazem. Mas não me cientifiquei sobre essa matéria, nem na altura nem nos anos depois.
Mas por essas e por outras é que eu às vezes me travo e deixo o tempo passar para respeitar o tempo do outro. Não preciso de ir buscar a minha verdadeira verdade e atirar na cara a minha treva. Não me precipito, nem me conservo em vinha de alhos. Respiro e dou tempo ao outro de ter tempo.
Desde o tempo da marginal até ao tempo de agora, depois de muitas calemas, depois de ver muitas trovoadas eu aprendi a mostrar não só a minha casca como também o meu tronco, faz de conta eu sou árvore, faz de conta eu sou naturalmente humano. Tem trevas que se ficam pela casca.


Sanzalando

14 de maio de 2023

olhos

Vou só por essa estrada faz de conta não tenho fim à vista. No meu tempo de criança tudo parecia distante, tudo era longe e o grande era enorme. Cresci, vi meio mundo e as mesmas coisas deixaram de ter as ditas cujas distâncias. Mas nesta estrada eu não olhava nem nos olhos das pessoas nem admirava a cara. Os olhos por si definem a cara. Os olhos alegres transformam a cara. Só os olhos para descrever uma cara, mostrar o rosto duma pessoa. Falar com alguém e olhar nos olhos dá outro encanto. E quando eles vertem lágrimas, essa água salgada que pode ser tristeza como alegria. Os olhos têm sentimento, têm sentido e dão intensidade. Há olhos que gritam, olhos com mágoa, olhos que sorriem, olhos com saudade, olhos mortos em vida. 
Vou só por essa estrada e num sem fim de coisas me lembro. Hoje me lembrei de olhos e rostos. Mona Lisa tem sorriso mas tem olhar. 
Os olhos definem, desenham a cara.
Não deixem morrer o olhar.


Sanzalando

12 de maio de 2023

a vida

Caminhando por aquis, indefinição própria de quem não quer dizer por onde anda, dou comigo a meditar de quantas vezes fui herói, às vezes obscuro, outras vezes na penumbra do desconhecido e outras vezes descaradamente? Quantas vezes podia ter feito mais e não tê-lo feito por desconhecimento ou por falta de percepção? Quantas vezes eu fui sombra de mim, vilão do próprio?
Se eu pudesse devolver-me o tempo das indefinições, dos cortes que deveria ter feito, dos dias obscuros que perdi no conforto dum sofá... não seria melhor do que sou por quanto sou o somatório de todos os meus passos passados, perdidos e encontrados, dados ou arrastados. 
Caminhando por aquis, dos lados todos da vida que vivi, dos planos e pensamentos que ainda não concretizei parece que não me esqueci de ser um ser vivo que vive a vida com gosto. Faço o que faço porque gosto de fazê-lo, porque devo-me fazê-lo e porque o mereço. 
Eu não seria diferente se a minha vida não tivesse dados as voltas que eu lhe dei.



Sanzalando

11 de maio de 2023

tem dias

Tem dias que sorrio quando me apetecia chorar, falar quando queria estar em silêncio. Porém não deixo de estar feliz. Até parece eu sou um paradoxo de mim. Mas a realidade é que tem dias que me pergunto se eu mereço o que tenho, se eu fiz algo para o ter? Tem dias de dúvida e incerteza. É assim mais ou menos com os dias de chuva e dias de sol. A gente não lhes manda nem solicita. Tem-nos e vai ter que ter a vida com eles. 
Tem dias que parece estamos prontos para a queda e outros em que caímos de surpresa. Nos primeiros até nem dói e nos segundos, mesmo que não doa fisicamente, dói na alma. 
Tem dias que a solidão e a tristeza parece acordaram juntas. Mas afinal o que falta é termos vontade de preencher o vazio, animar a ansiedade e dar corda aos músculos da alma.
Tem dias em que o maior de todos os vícios é a confiança. Se ela falha até parece um sismo e o nosso corpo se desfaz em pó. Isto quando temos a capacidade de sair do nosso corpo e nos vermos de fora para dentro. 
Tem dias que as palavras escritas parecem sanar a alma, libertar a mente e nos acalmar o coração.
Até parece que um poema triste não pode ter um final feliz. 



Sanzalando

10 de maio de 2023

um dia de cada vez

Olho-me por dentro olhando o zulmarinho. Perco tempo ganhando-me. É a minha forma salutar de saber quem sou e o que quero. Não atropelo nem faço feridas a ninguém. Mas ainda tenho tempo de esfolar os joelhos brincando no alcatrão, à trouxa lavada, ao garrafão e ao picles. Já não me lembro das regras do prego e já não tenho berlindes para jogar nem parceiros que se lembrem de ganhar tempo ao tempo que têm. 
Vou fazer mais o quê desta vida errónea, desta nostalgia sadia que faz mal a tanta gente porque não a têm?
Um sorriso, irónico ou real, levam a minha ingénua vida à invulnerabilidade de ser feliz. Se eu soubesse cantar eu estaria agora a fazê-lo. Parece estranho, mas é real. 
Sempre fui feliz? Não! Era mundano e fatalista, agarrado ao fado e à fatalidade de ter os olhos cravados num amanhã de arco-íris e festa de rua. 
Mas aprendi que afinal eu sou o que sou e tenho o que tenho. Os alicerces fui buscá-los desde o berço, as paredes mestras construí e este edifício vai-se construindo andar por andar até que o terraço esteja concluído. Quando? Não faço a mínima ideia e nem me preocupa.
Olho-me e sou feliz, um dia de cada vez


Sanzalando

9 de maio de 2023

tem dias

Tem dias que me ponho a pensar e parece tenho um novelo emaranhado de pensamentos em que se puxo uma ponta sai uma escada de nós complexos e desconsigo encontrar um pensamento limpo e claro. Sei que faz parte da natureza humana por vezes complexar o simples, cegar perante o óbvio e ensurdecer perante o som puro da natureza. Nesses dias dá uma gana de nada pensar, de nada ver e muito menos rever. Mas teimoso como sou, calma e serenamente vou descomplicando o novelo e  aos poucos vou clareando a trovoada de pensamentos ao ponto de ter um céu limpo.
Na verdade tem dias que tudo parece um ponto final e se olharmos bem lá na frente vemos que há mais praia para navegar.
Tem dias que parece o tempo não tem fim mas o tempo não tem complexos elásticos nem pensamentos de me lixar, pelo que eu me acalmo vejo que o tempo tem tempo para me dar tempo que o tempo tem.
Tem dias, hoje é só mais um dia que eu tenho para viver.


Sanzalando

8 de maio de 2023

morri de amor

Era ainda uma criança quando me lembro que me apaixonei de morrer. Era imaturo e inexperiente, usava calções e sandálias, joelho esfolado de brincar na rua mas escondidamente estava apaixonado. Não disse nada a ninguém e todas as músicas que ouvia eu lhe dedicava em silêncio. Acho ela nunca soube que tinha roubado o meu coração de mim. Mas me olhava e parecia feliz. Imaginava eu, porque nunca nos falámos, nunca trocámos mais que um olhar. Era a minha primeira morte de amor. E foi assim num silêncio solitário que também fiz o meu primeiro luto de uma amor que devia durar para a vida toda.
Outras paixões foram aparecendo. Cada uma aparentemente mais mortal que a anterior. Sobrevivi a tantas mortes de amor que se houvesse borboletas no estômago como me disseram, eu estaria morto por casulos a me ocuparem todo o meu interior. Morto de amores e morto por amor.
Afinal de contas é bom morrer de amor. Por isso morri todas essas vezes incontáveis que eu sei de cor.

Sanzalando

#zulmarinho


7 de maio de 2023

dia da mãe

Pedalava eu pelos caminhos dum esquecer que o mundo é mundo e outras coisas mais, quando me entrou no ouvido um sussurro a dizer que hoje é Dia da Mãe.
Eu sei, que antes de lhe levarem para um canto inesquecível da minha memória, eu lhe fiz doer a cabeça, lhe acinzentei muito os cabelos que ela teimosamente pintava para não me assustar com o tempo que passa, lhe causei lágrimas de dor de alma e saudade, lhe tirei sonos que mais que ela merecia dormir. Mas para mim é todos os dias são dia da Mãe. Porque quando não lhe fazia nada disto, eu lhe fazia rir de coisas sérias que eu não brincava, lhe alegrava o ego de ir mais além do que ela mesmo tinha imaginado, lhe provocava um babar de satisfação quando por portas e travessas alguém lhe era simpático e lhe me elogiava. Todos os dias eram Dia da Mãe, dia da minha Mãe.
Depois, cansada de coração fraco, lhe levaram num dormir que não deu em acordar e lhe repousaram num canto inexpugnável da minha memória, onde lhe trago em cada instante ou lhe busco quando lhe preciso.
Um dia, Mãe, eu te vou levar onde tu foste feliz! promessa do teu filho, que por agora vai pedalando pelos caminhos que um dia desenhou no imaginário da vida.


Sanzalando

dia santo na loja

Olho só por aí a fazer o tempo descansar. Tem dias que nem apetece gastá-lo ou lhe incomodar. Até parece que estou a gritar em silêncio e esperar que alguém me ouça. Mas assim não tem nem como? A voz se abafa por dentro que nem queimadura e não tem retorno no ar. Assim é um silêncio abafado num tempo inexistente. É só mesmo descansar faz de conta é dia de férias mentais.


Sanzalando

6 de maio de 2023

#comida


sou mais velho

Me perco no tempo que o tempo tem. Já fui criança, adolescente e adulto. Agora me chamam de mais velho. Não sei mesmo que é que é isso. Sei que o fazem de forma respeitadora, deferente e cerimoniosa. Acho até me acham sabedor de coisas que o tempo me ensinou. Agora sou o mais velho. Sabedor e respeitável falador.
Tenho que o aceitar. Sou o mais velho, respeitável opinador. Mas não sou como muitos mais velhos que andam por aí e se esqueceram que andam ao sol porém nunca saíram duma qualquer mental prisão. Tem prisão que não tem grades e essa é ainda pior que a que tem. Tem mais velhos que pensam que cama é nave espacial e sonham parece são astronautas doutra qualquer galáxia e os pés não estão assentes na terra. Tem mais velhos que pensam que o que sempre pensaram é a verdade verdadeira. Tem mais velhos que se calhar ainda não pararam para pensar.
Sou mais velho mas ainda tenho muito para aprender e rever na matéria da vida. Eu sei que as minhas recordações são pequenos átomos de eternidade. Sou mais velho mesmo que não saiba bem o que é que isso é.

Sanzalando

5 de maio de 2023

matiné do Eurico

Matiné do Eurico. Talvez seja Marisol ou Joselito. Quem sabe eu tenha sorte e dê o do Cantiflas. Pode ser mesmo só qualquer coisa que tenha legendas e eu perceba. Não quero filmes com sangue e mortes. Morte só se for por amor. Acho que vou comprar bilhete para o balcão. Lá em baixo tem muita confusão e eu gosto de ver o filme no mais selecto sossego. Já sei que o filme é da Rita Pavoni e ela vai para o convento. Já sei eu vou chorar que nem ela. Ou será o Gianni Morandi a ir para a tropa e deixar a sua amada em terra. Non sou Digno de ti, mas em italiano que eu sou sei dizer e não sei como se escreve. Mas de qual destes todos eu gosto mais? Se eu não tivesse medo ia dizer que venha o diabo e escolha. 
Como é bom vir à matiné do Eurico no Domingo à tarde. Até parece a música do Nelson Ned. Te lembras como o guarda costa lhe tirou do palco, até parecia ele era criança? Que voz que ele tinha. 
Como é giro este cinema de balcão e plateia. Imagina os gajos lá em baixo levarem com papeis desde cá de cima. Mal comportados. 
Mas ainda não é domingo.


Sanzalando

#desportivamente


#lugaresincriveis


#lugaresincriveis


#pitanga


4 de maio de 2023

delírios de memória

Como vou eu sair deste ponto onde cada vez vejo melhor o meu mundo? Esse mundo que não é só o que eu consigo ver. Esse que eu sei que existe para lá de mim, dos lugares que estive, dos pontos que decorei e dos que marquei para não repetir.
Para bem da verdade eu quero qualquer lugar como eu o quero para mim, porque não quero ter o erro de culpabilizar outro por eu não gostar dum dito lugar. É desesperante imaginar que não gosto por causa de alguém. É por mim. Mas eu não conheço os lugares todos como é que posso fazer afirmações? Faço ressalvando esse ponto: eu não conheço os lugares todos e eu tenho cabeça para pensar e não me armar aos cágados e julgar que conheço tudo. Quem me dera.
Mas eu já encontrei lugar que não gosto? Já! Mas são tão poucos que qualquer dia tenho que apontar para não me esquecer. 2 ou 3. Esses eu bloquei mentalmente e assim eu não lhes vou rever. Em vez de ver esses lugares eu vou ler um livro, ouvir uma música os simplesmente olhar o zulmarinho e encher de alegria a minha alma. 


Sanzalando

#lugaresincriveis


#flores


3 de maio de 2023

delírio de memória

Estou sentado com os olhos postos lá num horizonte que imagino seja bem longe. Pouco me importa o que vejo. Agora interessa-me mais o que sinto. É que enquanto, alguns dormem, eu penso e vejo na forma de sentir, sem criar imagem na retina, apenas uma ténue imagem no lóbulo cerebral dedicado à memória e que me leva ao sentimento mais puro do prazer. 
Não é saudade nem nostalgia. É mesmo um carinho enorme, uma doce aventura de mim, um naperon de abertos e fechados, como os que a minha avó fazia no seu crochê de fim de tarde, aquilo que sinto do meu passado presente. Tive um professor que me dizia pica a burra quando estava eu no quadro com uma dificuldade matemática. Hoje, passados muitos anos, lembro-me como se tivesse sido agora e sinto saudade, porque me foi útil mesmo que na altura eu não tivesse achado piada nenhuma. 
Eu tinha pensado que para bem da minha saúde mental eu não devia recordar passados. Mas o que seria de mim se o não tivesse? Assim, nesta forma de sentir, vejo que sou feliz por ser capaz de recordar sem mágoa, que cresci com a ajuda dessas memórias, com os ensinamentos desses professores que tanta paciência tiveram.
Afinal de contas eu sou o meu porto seguro porque me baseio em alicerces bem construídos. Eu sei, a insegurança não é uma opção, é um trauma. Assim como o ser idiota não é doença, é opção. 
Eu, nas minhas opções, prefiro meditar e consolidar os meus alicerces, navegando por pensamentos que me levam desde criança até aos dias que são o hoje. Amanhã logo se verá.


Sanzalando

#lugaresincriveis


2 de maio de 2023

divago qualquer coisa

Me apetece divagar, umas vezes enquanto caminho, outras no sossego dum sofá e outras a olhar o zulmarinho. Que ganho eu com isso? Paz e tranquilidade. Não vou ao sabor do improviso e do que me dá mais jeito ou lucro. Na verdade, divagando vou buscar recordações que já nem me lembrava as tinha. Sem recordações eu seria um desmemoriado. As recordações são memória. As saudades são memória. Divagando sobre mim uso a memória, utilizo o meu passado para não incorrer no mesmo erro ou cair no uso fácil do improviso.
Se tenho futuro? Mas é claro. Não sei qual é porque ele ainda não aconteceu, mas vai ter como alicerce o meu passado, as minhas recordações e as minhas saudades. Não, não estou cristalizado nesse passado. Uso-o porque é meu e serve-me na perfeição.
Não rasgo o meu coração em sofrimentos ou ofensas vãs, porque não parto de falsas ilusões nem caminho por caminhos despegados de sentimento. 
Assim sendo, eu sou um somatório de triunfos e fracassos que tenho na memória e que me alicerçam no presente e futuro. 
Não, não sou um contraditor nato nem um teimoso desmemoriado. Estou agradecido de ser quem sou. 

Sanzalando

#lugaresincriveis


1 de maio de 2023

Desabafo ponto final

Girando a terra à volta do sol e eu sobre minha a consciência, caminho cada dia com a certeza que o meu caminho, pode não ser perfeito, pode conter poeiras, lágrimas em forma de chuva, sorrisos apagados e tristeza no olhar, mas é ele que eu sigo e me sinto feliz. 
Às vezes as pessoas me deixam numa forma de tristeza, não naquela forma triste de dor de mágoa, mas apenas o dessorriso duma forma de ter dado um olhar que se perdeu, dum tempo que por não ser importante se transforma num lado oculto da minha memória antes de atingir o esquecimento.
Não tenho necessidade de drenar letras para me aliviar a carga da alma nem pensamentos pecaminosas. Apenas um ou dois segundos, um abanar de corpo e lá se vai a tormenta para um oceano de vazios. 
Assim sendo, soprando ventos contrários ou a favor, sem pedra no sapato, sem raiva ou rancor, sem desamor, sigo o caminho como o quero. O vento despenteia-me, pode-me fazer quase fechar os olhos, mas não entra na minha alma, na minha essência ou no meu caráter. 
Diz o Carlão que assobia para o lado e eu digo que nem perco tempo com isso.
Futebol, política e religião são coisas que eu não falo. Estas três coisas são fruto de paixão, esta é a fase doente do amor e eu não quero nada com doenças.
Me dizerem o que eu devo pensar, falar ou escrever, isso jamais.


Sanzalando

#lugaresincriveis