Sentado na escadaria do tribunal, toda a avenida da Praia do Bonfim à minha disposição visual, porque adolescente não lhe falta a vista, penso que quando nascemos não imaginamos a felicidade que nos foi dada. Temos o futuro todo pela frente. Com o tempo, com o viver a vida ela nos vai dando umas bassulas, nos prega umas rasteiras, nos assusta, nos faz rir, nos cicatriza e quem sabe nos molda no físico e mental. Mas nós continuamos a ser os mesmos seres que um dia nasceram felizes. Que bom que é não ter memória desse dia. Raios partam, nascemos e não sabemos. Só mais tarde vamos descobrir.
E muito mais tarde vamos ter consciência que podíamos ter feito e não fizemos. Uns por desconhecimento, outros por preguiça, outros porque nem eles sabem e nem imaginam que podiam. Muitos estão encerrados para férias e não abrem ao mundo nunca. Viver a vida é bom, pena mesmo que a gente só vai dar valor quando já quase não a tem para viver. Ela gasta-se. O tempo lhe come.
Olha só essa avenida, tem fonte, tem gazelas que são de bronze, e depois tem o caramanchão de buganvílias, tem areia vermelha que não levanta pó, tem busto de Bernardino Freire de Abreu e Castro, tem pelourinho, quiosque do Faustino, fonte da foca e termina no campo de futebol. Quantas vezes eu percorri essa avenida? Foram poucas e tu percorreste mais? E quem nunca a percorreu estando ela ali à mão de semear?
Que vista panorâmica eu tenho desde aqui, das duas primeiras ruas paralelas ao mar que vem desde lá do norte, quase da Aguada. Depois tem mais duas outras, paralelas a esta e quase iguais no perfil, plano e termina numa subidinha que parecia bem grande quando eu era criança e agora na adolescência madura parece é só um declive na cabeceira sul. A Quarta rua, a da Fábrica, há tem outro perfil e tem, como eles dizem, uma cota mais alta. É, a cidade se planaltiliza quando se caminha para leste, para o deserto.
É o mesmo se passa com a gente, o nosso saber se planaltiliza com o tempo até ao tempo que se desvanece na falta de tempo.
Sanzalando