recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de junho de 2023

a palavra

E por aqui estou, caminhando ou a olhar o zulmarinho. Uma e outra coisa me são bastantes para sentir o sol do meu corpo, a simpatia do meu sorriso ou o meu brilho de olhar. É, gosto de abraçar-me, quer os sentimentos, quer o sentido prático das coisas. Fujo da obscuridade, dos olhos desbrilhados do medo, dos corações ardentes de raiva, das estrelas cavadas no ego maior que o umbigo. 
E por aqui estou, sorrindo, olhando o zulmarinho e imaginando que as estrelas que brilham no céu são pequenos pedaços de mim o olhar a noite como guarda das doces almas adormecidas.
Sim, eu sei que sou egoísta com o meu tempo porque sei que ele é escasso e gasta-se num ápice, por isso caminho na ajuda que posso, nas palavras soletradas em límpida voz de saber falar, quando não gaguejo ou desafino o tom. 
É, prefiro caminhar por palavras escritas, sem desafinações e sem preocupações gramaticais, mas tendo sempre a atenção que a compreensão é fundamental. O problema é da palavra, ou da falta dela.


Sanzalando

29 de junho de 2023

bioadegradar

Olho lá longe, onde a vista mesmo não alcança e só lá chego pela imaginação, e me sinto como se estivesse carregando uma carga enorme de entulho, de lastro afim que a minha cabeça não levante voo e numa qualquer distracção se estatele no chão da realidade. Nunca me importei com guião, mapa ou programação para as minhas caminhadas mentais, com isso carreguei-me desse peso que não me trai na consciência, talvez uma ou outra migalha possa lá cair, e vou cada vez mais limpando os ruídos que fui encontrando, os cacos apanhados de pensamentos não pensados, numa palavra, vou-me limpando da sujeira mental acumulada, às vezes num grande esforço porque se calhar vou precisar num futuro, outras porque sabe-se lá o que pensarei amanhã.
Eu me esforço, na visão e na imaginação, na vida e no repouso, mas há sempre aquela coisa subconsciente que o pensamento pode estar errado ou tem um ligeiro defeito que é preciso limar. Portanto, limpo e limo os meus pensamentos para aliviar o lastro e se calhar faz-me falta poder voar sobre mim, sem entulho e sem me preocupar com os cacos. 
Estou encantado de ser feliz. Estou encartado para me guiar num tudo vai mudar e o que me resta de entulho o tempo o vai biodegradar.


Sanzalando

28 de junho de 2023

gosto-me

Caminhar com este calor nem vou mais pensar nisso. Neste mais está o bocado da indecisão. Caminhar não faz mal, uma vez que o faço por entre pensamentos e memórias, entre saudades e recordações, entre idade de criança e de ser adulto. Pouco importa a coerência da ocorrência momentânea. Caminho por tantos aís que já nem sei quantas voltas dei a mim mesmo. Falar dos meus sentimentos, das minhas almas empenadas, das minhas gargantas sem voz, dos meus amores espontâneos, da minha forma carinhosa de ser, não tem como me enganar. Eu gosto-me e mais importante que isso eu não tenho.


Sanzalando

27 de junho de 2023

vividos tempos

Hoje me apeteceu caminhar era ainda madrugada. Madrugada dum dia quente. Pensamento descaço de ideias, de angustias ou desejos. Fiquei com o o dia todo para pensar no caso de não conseguir pensar rápido. Pensar o quê? No que resta da vida. Futuro incógnito do espaço e tempo. Sentirei eu no futuro os amores que agora sinto? As saudades de presente marcar-me-ão o futuro? Nada à minha volta me transmite nenhum sinal. Dor, Mágoa, Tristeza, Alegria. Nada me diz à minha volta. Os meus passos são curtos. Já não tenho a passada de outrora. Mas também não é hora de ficar na cama a reviver. Assim, desde madrugada eu acho tenho mais tempo para viver. Enquanto pensar é porque estou vivo, diria Lapalisse. 
Recordei aquela gargalhada sonora das noites de cinema. Era ele o Xarope. Lembrei as palavras carregadas de vernáculo do Zé Malcriado. Lembrei a delicadeza dos gestos e tracto do Sr. Santos. A amabilidade do Sr. Reis. As acesas discussões na esplanada da Oásis com o Sr. Trindade e outros cotas no pós-almoço. 
Ao fim do dia, tinha vivido intensamente sem desejo que o tempo voltasse atrás.


Sanzalando

26 de junho de 2023

sem descanar palavras nem pensamentos

Quando dou corda nas sandálias e caminho por pensamentos e palavras soltas, tantas vezes sem destino ou simplesmente libertando-me de amarras que o tempo amarrou, me apetece deixar rasto infinito de palavras que parece me querem sufocar, estranguladas que ficam na garganta ou na ponta do lápis. A rapidez do pensamento e a lentificação da escrita fazem um baraço embaraçado de mesclas gramaticais que num desnexo me levam a terras tropicais. Imagina elas se acumulam nos meus nervos, fazendo engarrafamento de silabas, adjectivos e pronomes e quando sai da ponta do lápis parece é um enxurradas de tropical chuvada. Acho que tenho de as escrever entre aspas e esperar um tradutor do velho egipto para me ler. Imagina um pneu a rebentar e todo o ar dentro dele a querer sair ao mesmo tempo. É mais ou menos igual, com a diferença que eu contrario e deixo lugar às minhas angústias e aos meus medos, à emoção da falha. 
Se eu nadasse nessas palavras uma ou duas vezes era capaz de lhes dar significado perceptível, porém eu passo e esqueço o que ficou para trás, porque esse lá atrás é só mais um pedaço de mim agora. 
Um dia, quando os braços se cansarem, quando os olhos repousarem e a mente estiver vazia, eu vou reler, soletrar, banhar-me nesse oceano de palavras e boiar na compreensão, sem tabus, barreiras ou ansiedades. 
Até lá, vou-me manter assim, sem descanar palavras nem pensamentos.


Sanzalando

25 de junho de 2023

nos meus antanhos

Cá vou eu por meus atalhos até aos meus antanhos e curiosamente, ao contrário de gente que conheço, não carrego culpa nem mágoa. Olho-me e vejo aprendizagem, sabedoria, conhecimento, felicidade. E se por acaso sinto saudade é só porque eu não tenho mais aquela idade e tem gente que estava no meu coração e que foram embora desta vida. 
Cá vou eu beijando as minhas memórias para que não as perca num esquecimento involuntário enquanto faço um baile sobre o meu caos, num ocaso, num pôr-de-sol como os via com olhos de criança ou simplesmente numa praia ao fim de tarde.


Sanzalando

24 de junho de 2023

deve ser amor

Se me sento algures por aí ou se caminho em direcção a lado algum, num acaso de ir sem saber para onde, não espero nada a troco de nada. Só no amor a gente deve esperar alguma coisa na volta: reciprocidade. Huê, falei caro que nem sei soletrar direito. Re - ci-pro-ci-da-de., sem gaguejar. Às vezes a gente só chega lá um bocado à tardinha da vida. Não é por nada, é mesmo porque a gente sempre esperou mais do que dá, até que um dia a gente olha e pensa que não devia esperar nunca de algo em troca, só no amor. Às vezes a gente pestaneja e o à frente da vista fica em segundo plano. Às vezes é verão e a gente sente frio. Tem tantas vezes quer a gente não vê ou não quer ver e depois sobra um sabor a veneno no olhar que não voltou.
É por isso que as vezes me sento a olhar para lado nenhum e dou comigo em viagens que não têm cor nem perfume mas são tão ricas...
Deve ser amor.


Sanzalando

23 de junho de 2023

nos arcos da praia

Sentado num dos arcos da praia das miragens, agora que é cacimbo, as sereias não se põem nos seus biquinis a apanhar sol, nem o todo azul se vai abrir por aqui, eu me delicio só a olhar o zulmarinho. Quem vê pensa eu sou um zero de fazer o que quer que seja. Mas eu me sinto uma fábrica de pensamentos a rodar na minha fábrica mental que até os rolamentos aquecem que parece tem calor de sol. 
É, tem gente que desconsegue alcançar o amanhecer, porque fecham todas as janelas e persianas, cortinas e ainda põem óculos escuros e se abafam na obscuridade do pensamento, deixando a escuridão se entranhar em todas as células e até nos cacos de pensamento partidos que conseguem deixar cair das células mentais. Tem gente que devia sentar, só sentar e ver o zulmarinho, deixá-lo tomar conta do corpo, assim num olhar sem barreiras ou filtros. Rapidamente iam ver que não estão mortas nem vagabundam num corpo vazio.
É, também tem gente que mesmo assim ia ficar a dizer que o cacimbo lhes não deixar cheirar o zulmarinho. São aqueles que gostam de gostar, mas provocam dano só pelo prazer, num enigma mental ou desesperança existencial.
Aqui, nets dúzia de arcos, não faço questão se é no primeiro ou no último, eu deixo a minha mente ir atrás dos meus pensamentos na sua liberdade total. Quando for verão, estarei estendido na areia, livre de corpo são e mentalmente voando por caminhos de migração orientados pelo eixo da terra, ou simplesmente ritmados pelo bater do coração. 


Sanzalando

22 de junho de 2023

vidas

Me deito na areia das mil cores e me perco a olhar o zulmarinho, faz conta ele é um rosário que me reza e me medita.
É um facto que começamos a morrer quando deixarmos de correr atrás dos nossos desejos, quando nos conformamos com o que os outros nos pensam e nos veem. O acto fúnebre se mostra no silêncio que deixamos correr nas nossas palavras e num encolher de ombros. Quando adivinhamos chuva e não nos abrigamos, quando os momentos deixam de ter conexão, quando as lágrimas são choradas na solidão, é sinal que já fomos para um campo de areias movediças e campos minados duma guerra sem fim previsível. 
Na areia da praia, nos grãos de tantas cores, vamos vendo os pedaços perdidos da vida, abandonados, desbaratados. Há que, lentamente, ir procurando a lógica e, perdidamente na confusão, sair soltando as amarras dos pesos mentais, brilhantes olhares que no escuro possam ver. 
Deitado na areia da praia, no marulhar do zulmarinho e no perfume da maresia, vivo cada momento único.


Sanzalando

21 de junho de 2023

reflectindo na vida e na cidade

Sentado na escadaria do tribunal, toda a avenida da Praia do Bonfim à minha disposição visual, porque adolescente não lhe falta a vista, penso que quando nascemos não imaginamos a felicidade que nos foi dada. Temos o futuro todo pela frente. Com o tempo, com o viver a vida ela nos vai dando umas bassulas, nos prega umas rasteiras, nos assusta, nos faz rir, nos cicatriza e quem sabe nos molda no físico e mental. Mas nós continuamos a ser os mesmos seres que um dia nasceram felizes. Que bom que é não ter memória desse dia. Raios partam, nascemos e não sabemos. Só mais tarde vamos descobrir. 
E muito mais tarde vamos ter consciência que podíamos ter feito e não fizemos. Uns por desconhecimento, outros por preguiça, outros porque nem eles sabem e nem imaginam que podiam. Muitos estão encerrados para férias e não abrem ao mundo nunca. Viver a vida é bom, pena mesmo que a gente só vai dar valor quando já quase não a tem para viver. Ela gasta-se. O tempo lhe come. 
Olha só essa avenida, tem fonte, tem gazelas que são de bronze, e depois tem o caramanchão de buganvílias, tem areia vermelha que não levanta pó, tem busto de Bernardino Freire de Abreu e Castro, tem pelourinho, quiosque do Faustino, fonte da foca e termina no campo de futebol. Quantas vezes eu percorri essa avenida? Foram poucas e tu percorreste mais? E quem nunca a percorreu estando ela ali à mão de semear? 
Que vista panorâmica eu tenho desde aqui, das duas primeiras ruas paralelas ao mar que vem desde lá do norte, quase da Aguada. Depois tem mais duas outras, paralelas a esta e quase iguais no perfil, plano e termina numa subidinha que parecia bem grande quando eu era criança e agora na adolescência madura parece é só um declive na cabeceira sul. A Quarta rua, a da Fábrica, há tem outro perfil e tem, como eles dizem, uma cota mais alta. É, a cidade se planaltiliza quando se caminha para leste, para o deserto.
É o mesmo se passa com a gente, o nosso saber se planaltiliza com o tempo até ao tempo que se desvanece na falta de tempo.

Sanzalando

Nairobi e Mombasa


Sanzalando

20 de junho de 2023

problemas adolescentes

Me sentei no baloiço perto do escorrega, lá no Parque infantil. Aqui estou calmo porque calmo está o parque e o Sr. Sousa não precisa nem gritar nem correr atrás de. Aqui fico a pensar na vida. Adolescente nesta idade tem muito no que vai pensar. Discoteca da Igreja, Rádio, Aulas, Ela, o carro Dela. E o bilhar? O pastel de nata e o café da Oásis? Como posso ter tempo para isto tudo? Acho vou ter de fazer escolhas. Mas se escolher eu vou perder. Olha só a flor do malmequer. A gente estraga-a quando tira petala a petela no mal me quer e bem me quer. Quando a gente escolhe assim, a gente estraga. Vou fazer doutra forma. Vou esquecer de pensar e vou fazer. Simples matemática do acaso. Acho o Dr. Coutinho ou a Pitula não vão gostar se eu deixar a matemática ao acaso.
Balouço devagar, só assim para relaxar e deixar a cabeça descansar destes problemas adolescentes. 


Sanzalando

19 de junho de 2023

MasaiMara


Sanzalando

atravessei o deserto

Fui no aeroporto a pé. Olhei os Morros Azuis e me pensei que nunca lhes fui ver ao perto se eles eram mesmo assim azuis como eu lhes via dali. Eram longe. Não era hoje que eu lhes ia tentar ver de perto. Estou a preparar a minha viagem pedonal até lá. Isto precisa de preparação, mental e física. Eu nunca sai do alcatrão quanto mais me enfiar assim deserto dento na aventura. Não sou nenhum Tarzan do Capim. Olho, meço a distancia com os centímetros da vista e declaro ser muito longe. Parece está a chegar ou está perto de chegar um avião. Pelo movimento que aqui está... Acho vou pedir boleia para o regresso que o físico mesmo a descer não aguenta tanto exercício. Desconsegui uma alma caridosa. Aguardam o avião parece, está como sempre atrasado, e até parece é culpa minha porque mais velhos me respondem secamente. Não vou ficar aqui a ver os cinzentos barulhentos a se fazerem à pista e parece não querem parar. Meto-me a corta mato, assim vou sair no meio da Sanzala dos Brancos, encurto caminho e até parece já atravessei o deserto. Pois em corta mato é deserto até lá. Mas é deserto que orienta pois eu estou a ver sempre as casas e a Junta Autónoma das Estradas, onde logo à noite vai haver campeonato de futebol de salão. Militares contra o sporting é jogo duro. Freitas e Bitacaia se estão em boa forma é coisa difícil. Tem muitos parecem são brinca na areia mas nada. Freitas tem coxa que parece é um armário. Bitacaia tem parece elástico em vez de músculos. O Leopoldo deve jogar pela Escola. E o Moutinho vai também jogar? Se chegar a horas que é coisa ele não sabe bem que é que é. 
Assim distraidamente consegio atravessar esete deserto e chegar no meio meio, alcatrão.


Sanzalando

18 de junho de 2023

manhã na rádio

Hoje fiz o Camaradagem das 10 às 12 horas. Está sol e me apetecia estar na praia, mas tem coisas que têm de ser feitas e eu me meti nesta aventura para sabe-se lá para quê. Hoje vou passar uma canção do Alberto Amorim que gravamos uma noite destas, nas horas adormecidas da rádio. Quero lá saber se é legar ou não. A gente gosta a gente faz e depois logo se vê. Se mandarem vir eu digo que sim, encolho os ombros e vou que nem daí para fora. Se não disserem nada é muito bom. Pois quando é bom eles não dizem nada. 
O Beto não gravou desta vez uma canção de amor. Ele cantou as palavras dele, a revolta, a contestação, a quebra do segredo. Enquanto elu falo de romances ele bota contestação nisso. 
São assim as minhas manhãs de Rádio e a Elsa me aguenta sempre sorridente. Também, vai fazer mais o quê?


Sanzalando

17 de junho de 2023

na minha varanda

Me sentei na cadeira de balouço daqui da varanda a olhar o quintalão e fazer bolinhas de sabão. É not´ria a minha falta de jeito pois a maioria sai assim pequena parece falta vitamina. Mas o vento lhes leva para longe até quase na casa dela. 
Se eu conseguisse meter uma bilhetezinho dentro duma e esperar o vento lhe levasse até lá? 
Deixa de sonhar, miúdo. Aterra no planeta e vive a tua vida. Não tens avião pá. Acho foi mais ou menos assim que me disse a minha consciência antes de eu lhe ter perguntado qualquer coisa. 
Mas as minha bolinhas de sabão que são pequenas têm cheiro de perfume. Cheiram a limpo e é este o meu perfume preferido. Engraçado, lá dentro delas parece cabe um arco-íris. Perfumada de limpo e coloridas. Leves e voam ao sabor do vento até que rebentam.
Como é bom estar aqui neste fim de tarde.


Sanzalando

16 de junho de 2023

a minha estória

Daqui não consigo sentir o perfume da terra que tem a minha placenta como relíquia. Mas eu consigo senti-la. Através da minha placenta ela me manda raios cósmicos em forma de novos wi-fi que me penetram na alma em forma de sensação, assim como um vento delicado que mexe de forma indolente as folhas das árvores e o meu suave sentir na pele. Faz conta eu sou árvore que é acariciada por uma brisa que mais ninguém sente ou vê. É o meu vento ousado e não o vento leste que a minha avó tanto protestava. Este é um vento assim como que interior, desde lá até aqui. Se eu estou descalço até parece é mais intenso e entra pela planta do pé até me arrepiar o cabelo grisalho e ralo. Não, este vento não levanta poeira nem abala o meu castelo de recordações. Ele faz-me só é reviver cada vida minha. Por exemplo, os teus cabelos compridos, que hoje devem estar grisalhos ou disfarçadamente pintados, são memória fresca. A tua saia de ténis, curta e folhada, imaculadamente branca, é um retrato permanente que se está afixado no post-it da minha memória. As tampinhas de Cuca ou Nocal, Siral ou carbo-sidral enterradas no alcatrão são puzzles que brinco no pré-adormecer. Nota que este vento sopra constante, não em rajadas como os ventos norte ou leste. Essa energia dessa nova wi-fi que me chega desde a minha placenta que ficou num lugar qualquer, até do meu imaginário, é a que faz dançar os meus pensamentos pela minha cabeça num reviver constante de alegria e quem sabe de poesia. 
Eu sei que o meu pensamento é solido, eu sei que vivi muitas vidas, que tenho uma linha cronológica cumprida e comprida, recta e oscilante, mas não tem apagão nem a minha proa fugiu de qualquer mar, nem a minha asa de qualquer voo. É dessa energia que nasce a minha estória. De lá aqui pouco ou nada se perde no caminho. Não se mede, sente-se e vive-se. Esse vento interior que mexe as minhas eólicas mentais não levanta saias nem despenteia fartas cabeleiras. 
Esse vento, essa energia, trás-me a cada instante pedaços dispersos de mim, fazendo-me num todo.



Sanzalando

15 de junho de 2023

num qualquer hoje

Hoje não apetece caminhar, ir ver o zulmarinho, apanhar brisa ou simplesmente marinar o pensamento. E se eu hoje não sair da cama já que olhando em volta não tem mais sitio para ir? Não estou nem afim de conversar conversas moles de sobre vida ou sobrevividas teses de ontem. Não ia ser agradável a minha companhia. Ir falar do Aero-Club, do Clube Náutico, do Cardan, do  1-2-3 do Bagarrão mais 2, lugares de remediados para cima e esquecer o Mamedes, a Minhota ou o Forte de Santa Rita? Afinal de contas estes eu nem conheço pois na minha idade estes últimos ficavam um pouco depois do fim do mundo. Sair só por sair, ter trivial conversa de encher tempo que depois nem vou lembrar, não estou nem por aí virado. Acho que hoje vou ficar assim em modo piloto automático e falar-me de coisas construídas na minha cabeça, nos meus fantasmas. É curiosos que ao escrever fantasmas eu entrei numa alegoria de passado que parece ter sido mal passado. Mas não, foi tudo feito à temperatura correcta, no tempo certo e na felicidade do tempero ideal. Onde estão os meus fantasmas senão na interpretação abstrata da minha equinocica equação? Eu sei que fiz tudo por esquecer o que correu menos bem, o que cicatrizou mais feio, apaguei os parágrafos mal escritos. O Sol e ângulo da terra, segundo o Dr. Coutinho, num pica a burra, deve estar entre os meus integrais passados e a raiz quadrupla da razão de eu ser.
Hoje não me apetece falar de coisas nem de imaginações fantasmagóricas. Todas as palavras têm um significado e este leva a um pensamento, este a uma dado momento e este a lugar. Dá muito trabalho. Hoje não dá para isso. Hoje vou ficar mesmo na ronha, deixar o meu lado psíquico em paz, dar-lhe descanso para pensar em segundo plano porque eu não quero nem pensar.
Acho ontem eu caí da mesa alemã nos treinos para um sarau qualquer e não me lembro.


Sanzalando

14 de junho de 2023

carta de amor

Eu, escritor desafamado e sem nunca ter sido lido, aqui, debaixo das buganvílias que fazem este caramanchão da avenida onde os meus avós todos os domingos de tarde vêm passear num esticar de perna e cumprimentar gente conhecida, escrevo uma carta a uma amada que nunca a lerá. Tão simples como o que eu escrevo na memória que o vento daqui a umas horas levará para os cantos do esquecimento. Escritor sem obra feita, desamado porque escondido amor vou sentindo, lamento que o presente não seja passado e o futuro o tenha esquecido. Amar é uma benção, é uma dor, uma cinza de memória, uma inocência feita da existência dum carinho nascido da paixão que em consequência leva a amargura da não correspondência. 
Estou à sombra, mas a minha alma fervilha de paixão, num ardor quente que para lá de fervente amor também sente uma saudade porque miragem nunca é realidade.
Se um dia teus lábios beijasse, saltaria meu coração do meu peito. Se amor um dia teus lábios me segredasse, eu derreteria num quase sem jeito, a preceito e desfeito.
Este banco corrido de madeira, que silenciosamente me ouve neste ditado à memória, quase se põe em brasa, qual lenha duma fogueira deixando labaredas dançando em vitória dum amor que nunca teve asa para voar desse ninho que foi por mim inventado.
Estou na avenida, não é domingo, pareço alma perdida a quem não sai o bingo. 
Sempre teu, até à eternidade deste amor.



Sanzalando

13 de junho de 2023

eu fui daquele tempo

Sentei na esplanada da Oásis. Pedi o meu café e o meu pastel de nata. Sr. Reis me veio trazer, os empregados devem estar a fazer a folga ou estão ocupados. Hoje tive direito a patrão e ponto final. Hora do meio da tarde e isto está vazio. Olho para o café, mas ataco primeiro o pastel de nata. Nunca me ocorreu qual devia ser primeiro. Eu faço assim e marimbei nas opiniões contrárias. Saboreei e depois, ainda com massa folhada na boca verti o café esófago abaixo. Que bem que me sabe. Era assim num antes de antigamente e é agora também. Não é na Oásis e não sei se alguma vez provei no Avenida. Os da Flórida eram muita bons também. Mas esses são para Julho e Agosto para meu desgosto. Mas aqui na vazia esplanada, enquanto medito nestas coisas do pastel e do café me deu para dizer-me que eu não luto contra a saudade porque isso era lutar contra mim num mais novo eu era. Eu não tenho sofrimento do que eu era, porque posso dizer eu fui. Hoje sou assim porque eu sentei na esplanada da Oásis, eu fui ao cinema no Impala, eu bebi café na esplanada do cinema que em si era esplanada. Vou chorar? Que nada, vou rir porque agora cinema é na televisão, porque na sala está cheio de solidão e já não tem ruído de gente, só de pipoca.
Aqui no meio da tarde faz conta olho as fotos do boca de sapo a passar no tempo que ele era novinho e tinha interiores de estrelas mil. Até na tarde eu conseguia ver estrelas. Acho agora só devia perguntar-me como é que está aquele interior? Mas isso é misturar com futuro o presente desse passado.
- Sr. Reis, outro pastel de nata, faxavor.
Isto de pensar coisas a meio da tarde abre o apetite dos meus poucos quilogramas dessa altura.
Daqui a pouco eles vão aparecer, vão me desafiar para ir jogar bilhar, mais um perde paga. Só vou depois da hora do boca de sapo. Ele parece é comboio, tem horário e não se atrasa. 
Não, não vou chorar a saudade. Vou só dizer eu fui daquele tempo.


Sanzalando

12 de junho de 2023

Rádio e TV comigo no eu mesmo




Sanzalando

sigo

Quero ir por aqui, porque aqui está a minha passagem, pegadas marcadas em idades anteriores. Mesmo que me digam que não me é saudável passar pelos mesmos caminhos onde já fui feliz, teimosamente, passo e recordo essa felicidade com um sorriso no rosto. Até nos pontos onde chorei por tristeza ou dor, hoje posso recordar, o que é bom para mim... tive futuro quando pensava que era o fim do meu presente. Mas é por aqui que quero fazer perguntas ao meu universo e é por aqui eu vou saber as minhas respostas. Não é através dos sonhos, das conchas ou das cartas, não as das tantas que escrevi, que eu vou saber quem sou. É mesmo conseguir interpretar os meus sinais, as minhas horas passadas, os meus saberes pousados nas muitas prateleiras desta biblioteca da vida.
É, eu acredito que sou eu que faço o meu destino, que o fiz desde que nasci até à pouco que parei para escolher o caminho a seguir. Mesmo que pareça que vou contra-mão é literalmente a minha mão a escolhida. Sigo em frente olhando para trás.


Sanzalando

11 de junho de 2023

a caminho dum sul

Me deixo perder nos meus passos em direcção a sul. Vou por aqui como escolha, mas sem qualquer razão sobrenatural ou transcendente. Mais um dos meus acasos. Que me posso ver ainda pensa que me desnortei, me desimportei de saber o caminho, de ter mais sombra que o sol costumeiro, que ter palavras soltas em ideias vazias. Mas é só por acaso que vou por aqui em direcção ao meu sul. Esse ponto mágico que me norteia. O sul é o meu norte afinal, esse onde cresço e aprendi a não desistir. Vou para sul porque, sem lógica aparente, o meu coração disse vai por aí. Eu não preciso do céu e da terra inteiros para ser feliz. Me basta um bocado e as coisas bobas me animam mais que os brilhos brilhantes de falsos sorrisos que me cruzam e eu reparo. Me basta um solinho e a felicidade logo aparece atrás.
Me deixo perder a caminho do sul, mas não perco a razão por desnorte algum.


Sanzalando

10 de junho de 2023

me olhei

Me olhei no espelho hoje e, ao mesmo tempo que me gostei me odiei em silêncio. Eu vi os meus monstros, aquela parte de mim que tento esconder até de mim mesmo.  Depois meus olhos viram os meus desejos e os meus pensamentos mais banais. O espelho foi o túnel que me levou para dentro de mim, fazendo ver que no fim da minha imagem existia um eu e não apenas o vazio dum estado de espírito. 
Me mesclei de todos os meus eus e voltei a sorrir. O que escondo é uma porção microscópica do todo eu que sou. 


Sanzalando

9 de junho de 2023

sentado a olhar

Me sento a olhar desde o lado de cá. O fim do zulmarinho parece estar ali à mão de semear porem sem que está longe que nem o olhar lhe chega. Mas não é esse o principio do meu aqui estar. Medito-me, olho-me e vejo-me nem que seja na fase ilusória dum qualquer estado de espírito. Pode ser que lá fora faça sol ou chuva, porque aqui, onde olho, está sol. Sempre sol. 
Daqui vejo gente. Gente cansada, desesperada e decepcionada. Gente sem desejo, sem passado e não reconhecem o presente, pelo que não terão futuro. Gente sem final feliz. Gente que vive em migalhas de vida porque têm medo de decepcionar, de contrariar de dizer as suas palavras e falam a voz do dono.
Daqui vejo o meu lado da verdade, daquele que acredito, mesmo que não seja a absoluta. Mas é que não me assusta, que não me foge da ciência e não me causa insónia. 
Será daqui que vejo o futuro que posso ganhar.


Sanzalando

balada apenas só

Nada sei de música e nada sei de cantar, porém gosto de ambos e por bem sei-me calar. Mas tem dias que me apetecia fazê-lo, num apetecer mais forte que o desgosto de não saber, numa forma contestatária de me contrariar, para mais tarde me arrepender.

A vida é um problema
de difícil equação 
para simplificar este tema.
sem aparente solução

A vida é uma dor
que pode trazer tristeza, 
ela também é um louvor
que vivemos com certeza

Ver o mar pode ser opção
para simplificar o tema 
desta difícil solução
da vida ser problema.

Há mares que vêm por bem, 
e tudo sempre passa,
na vida também
a dor se ultrapassa

Devo ter perdido tinta
com tamanho problema,
misturei a clara com a gema
e não dá nem pinto nem pinta



Sanzalando

8 de junho de 2023

já tudo foi inventado

Neste caminhar descubro que as melhores estórias para contar se escrevem sem um plano, com a liberdade de me encontrar com o inesperado, com a vontade de ser um livre andarilho mancando por essa estrada fora, através de desejos, sonhos e realidades. 
O que me faz forte não é a força física, a força por si mesmo, é a vontade e a certeza de como a utilizo. Neste caminhar descubro o óbvio, consciencializo a vontade e transcrevo-me para mais tarde recordar.  
Neste caminhar, olhando-me, vivendo-me, sinto que devo seguir em frente sem esconder passados, sem repisar erros ou replicar olhares vazios. Escrevo para não deixar de ser estória da minha estória que não existe.
Afinal de conta, as minhas estórias não são estórias, não são imaginações nem delírios. São factos verídicos passados por alguém, numa qualquer parte deste mundo, que por acaso sou eu.
É curioso que neste caminho vou vendo que os meus erros, as minhas estórias, a minha viagem, já foi vivida por alguém numa qualquer parte deste mundo. Não consigo ser original nem na minha estória

Sanzalando

7 de junho de 2023

vagabundo-me

Me deixo o corpo por aqui e vou na mente vagabundar por passados, presentes e futuros imaginados. Erraticamente me deixo levar. Não tenho destino nem meta. Vou só vagabundar as minhas ideias, meus sonhos, meus desejos e quem sabe vasculhar o meu passado num arqueológico modo de me contar hoje. Saudade, sentimento nostálgico e melancólico de algo que passou. Mas eu também tenho de futuro, saudade de futuro imaginado. 
Afinal de contas o que mais sou que não saudades, esperanças e pausas entre uma e outra?
Me deixo ir por poemas não escritos, canções não cantadas, versos desarrimados em construções mentais desalinhadas em direcção ao meu futuro. Vagueio de corpo e alma, sendo que o primeiro está estático a olhar o zulmarinho e o segundo desorganizadamente vai pelo éter, primórdio da vida em direcção sabe-se lá a quê. 
Eu sei que não há outra porta para o futuro, para o meu futuro, senão a que fiz de passado ao presente. Tem frinchas, tem rangeres, tem defeitos e feitios? Vou-lhe fazer mais como se é essa a minha porta, por onde entro e saio da minha vida presente?


Sanzalando

6 de junho de 2023

recordações

Me vou por aí, faz de conta vagabundei-me por caminhos nunca dantes caminhados. Na verdade nunca caminhei muito. Tinha outras prioridades, outros quereres, outras obrigações mentais ou sentimentais. Não conhecia a Lagoa dos Arcos, o mais perto que conheci do Jardim de Éden, embora recordações me levaram muitas vezes perto. Mas era só mais um bocado e ficava fora de mão. Quem não sabe é ignorante. Eu lhe ignorava por completo. Um dia, já adulto, maduro e com outra visão lhe conheci. Apaixonei-me daquele jardim em pleno deserto. Mais uma paixão. 
Quantos desconhecimentos à minha porta terei? Por isso caminho por caminhos nunca dantes navegados ou imaginados. Não sou ignorante, mas tem tanta coisa que não sei. Espero ter tempo para aprender, pelo menos um bocadinho desse não sei.
Por exemplo, posso dizer que aprendi que elogiar demora um segundo ou menos. Mas o efeito perpetua no tempo.
Uma recordação não ocupa espaço, mas tem momentos que não lhe merece um lugar, mas ele lá está. Quanto mais não seja para a gente não ficar ignorante outra vez.

Sanzalando

5 de junho de 2023

é cansativo ser adulto

Me deixo ir por aí, caminhos mentais, outros reais e tantos outros que nem sei distinguir ou catalogar. Também não vou perder tempo a lhes procurar definição, categoria ou descrição. Vou só por esses meus caminhos, levando-me, arrastando-me ou sobrevoando-me numa ilusória levitação. Minha mãe um dia, quando deixei de ser adolescente irreverente e passei a ter responsabilidade adulta, me disse na sua voz calma e nunca ralhante tens de te vestir e andar como gente. 
Desliguei num até hoje em que continuo a não me importar se o uso da gravata é no pescoço ou no bolso, se o fato é cerimónia fúnebre ou trabalho tropical, se farda é militar ou serviço em série duma qualquer forma conforme o regulamento. Para mim ser adulto é tirar-me da cama quando me apetece lhe agarrar que nem ventosa, é perceber que a decisão é minha mesmo quando estou na multidão, é abafar o choro quando estou na solidão, é recolher cacos de descumpridas tarefas, é motivar os desmotivados desejos de complexidade acrescida, é dizer que está tudo bem quando a tempestade chega.
Nestes caminhos, por vezes com sons melancólicos, mesmo sabendo que as dores são próprias de hábitos antigos, mesmo tendo consciência que erros passados deixaram cicatrizes por vezes subliminares, tenho de encontrar conforto na minha existência, tantas vezes calada, outras poucas gritada.
Ser adulto é olhar para os que já partiram, é ver os oceanos como lágrimas de gente chorada, é perceber que tantas foram as vezes que não nos compreendemos, é ser gente que carregou fardos muitas vezes apensamente imaginados.
É cansativo ser adulto.



Sanzalando

4 de junho de 2023

morrer de amor

Um drama em palavras simples que em se nada parece com a minha impaciência, mas são palavras tão minhas que me dizem mais de mim do que tudo aquilo que tentam me roubar de mim. Hoje, ontem, ano passado também... amei tanto. E ainda quando o amor me machucava. Nunca deixei de amar. Porque ao meu sentir, deixar de amar me machuca mais do que  tentar amar e se machucar. É como se amar fosse um corpo e o amor hematoma, sempre nos curamos. É bom morrer de amor 



Sanzalando

3 de junho de 2023

silêncio doentio

E, quando estou sentado na falésia a ver o zulmarinho no seu nunca mais acabar de horizonte, não encontrar palavras para dizer ou simplesmente para conversar? Impera o silêncio e se gasta o tempo num espaço vazio como se fosse um intervalo entre parágrafos da página dum livro sem letras. Esse silêncio não é ensurdecedor nem ajuda a escutar o mundo. É só mesmo uma ausência de ideias, um desentender deste mundo novo cada dia. Não tem momentos ideais para isso acontecer porque quando acontece é mau, inesperado e desajustado. É um desistir de som. É silêncio doente que demora a sarar. Não é como aquele silêncio em que a gente sem dizer nada dá a resposta. Este é porque ficou-se sem palavras, desencontrou-se a articulação vocabular para manter à tona um barco de ideias ou um pequeno bote de vaga ideia. 
Olhando para lá deste zulmarinho, onde se imagina ela acaba, um silêncio por falta de palavras proporciona incoerência de haver outro som que lhe pega no tempo e incoerentemente lhe abafa no poder injusto de palavras atiradas ao tecto de vidro da incompreensão ínfima.



Sanzalando

2 de junho de 2023

quem sou

Quem não me conhece pensa sou alma perdida vagabundando neste mundo feito fantasma. Tem vezes que sou fantasma de mim mesmo. Me olho de fora de mim para ver onde estão os meus defeitos e as minhas virtudes. Outras vezes para além de fantasma sou cego. Olho-me e não me vejo. É por estas e por outras que ando por aquis, perdidamente localizado, para ter um conhecimento profundo, de mim e do que me rodeia. Se conseguir saber do que está longe tanto melhor. 
Imaginemos que eu agora virava fotografo de mim. Não para fazer selfies ou autoretratos ou fotos estilizadas. Mesmo só para fotografar os meus melhores ângulos, poses de sorriso magicamente trabalhado, instantes únicos e irrepetíveis. Não tinha fotos para uma exposição. Muitos dos meus actos não têm a luz perfeita ou estão escondidos na penumbra da vida. Não era captada a forma formosa da essência, o brilho da alma posta, o significado e o desinteresse colocado. 
A fotografia não tem perfume, não tem mosca nem sentimento. É o instante. Toda a envolvência se perde no eter, no vazio do momento, na raiz do acto. 
Sim, eu sou esse vagabundo que se perde em fantasias de uma alma feliz.


Sanzalando

lagos Naivasha e Nakuru


Sanzalando

amboseli2023 - Kénia


Sanzalando

1 de junho de 2023

Dia da Criança




 Dia da Criança e outras datas

Não é meu hábito comemorar dias de... Pois isso faz-me levar a pensar que só se pensa no de nesse dia e eu não gosto. O meu dia de anos, de alguém próximo ainda vá que não vá porque é um marco histórico, uma barreira ultrapassada. Os outros é mais do mesmo até ao próximo ano. 
Todos os anos aguardo pelo 10 de Junho. Os motivos variaram ao longo do tempo. No meu tempo de criança e adolescente era o último dia de actividade escolar antes de 3 meses de férias. Havia um sarau de ginástica, uma ou outra actividade desportiva e acabou-se até inicio de Outubro. Agora aguardo o 10 de Junho para ver se me calha uma Medalha de qualquer coisa ou uma comenda. Mas até à data os meus feitos não foram merecedores de tal e isso eu não levo a mal e digo-me que para o ano pode ser. Mas espero, pois um dia faltará gente e lá se lembrarão de mim. 
Mas tudo isto a propósito do dia Mundial da Criança. è todos os dia o dia da Criança. Tem de ser. Ela é esperança, ela é vida para além do agora, é força que ajuda a acreditar num amanhã. Mas as de hoje estão facilitadas e vão sempre julgar que é fácil crescer. Não há calças rasgadas nos joelhos, abrasões do alcatrão, a conversa no muro da esquina e os palavrões aprendidos nas brincadeiras de rua. Já não se pode atirar o Pau ao Gato e já não se deixa brincar aos polícias e ladrões nem levar um pickles nos saltos da trouxa lavada. Era de mais e agora é de menos. A coluna cervical se curva perante aparelhos que servem para deslinguajar. os olhos se cansam nos monitores de jogos de pancadaria sobrenatural dos jogos multimédia, os ouvidos se ensurdecem dos sons altos de aparelhagens ruidosas nos sons que até fazem estremecer os glóbulos vermelhos que circulam nas veias e artérias.
Já ninguém brinca ao garrafão, ao prego ou ao pião, já ninguém mexe a coluna no levantar e abaixar das brincadeiras de rua. Suja as mãos, a roupa e acabou-se o desenvolver do sentido colectivo da individualidade.
Hoje é o dia da criança e se calhar vamos dar pulos no insuflável que não nos suja, no restaurante da pizza que não nos dá trabalho, no cinema que estão sossegados e calados a ver o filme que imaginamos ser o melhor para a idade.
Não, o jardim da cidade não serve porque tem capim, tem lesmas e outros animais ferozes como moscas e mosquitos, abelhas e transeuntes. E tem sol, tem vento e saem de lá sujos.
Hoje é o dia da criança e hoje eu vou ser criança, vou brincar na poça de água, e se encontrar cotas da minha idade que ainda se lembrem vou jogar à malha, ao pino ou ao garrafão. Já não consigo jogar à trouxa lavada.
Hoje é só o dia da Criança


Sanzalando