Como sempre entrei pelo quintal onde a avó Clara ultimava o jantar no seu fogão preferido de lenha. Esta avó, apesar de emprestada, era um doce que qualquer neto gostaria de ter. Ela me recebeu como um príncipe que não via fazia meia dúzia de meses. Foi mimo interminável que até me fez esquecer o calor da subida desde a baixa até lá na Lage. Olhei a árvore do meio do quintal, é única, que dá fruto e que bem que me sabe colher e comer directamente. Se a idade não me trai eram amoras. Lambuze-me com uma dose de meia dúzia acho eu a dar para o dobro.
- Os tios?
Devem estar na esquina amarela, respondeu a minha avó como se estivesse a falar para o ar.
- O avô?
- Foi à cidade... fiquei baralhado. Eu estou na cidade. O avô foi mesmo onde?
E como a conversa não ia dar a lugar nenhum eu me perguntei do alto da minha sabedoria porque o avô, aquele daqui, era avô e o outro da cidade do deserto era avô Serafim. Eu não me soube explicar e ninguém me ouviu o pensamento pelo que não obtive resposta.
- Avó, hoje janto aqui?
- Não, jantas na casa da tia.
OH... pensei eu comigo que ainda tinha de fazer a ronda pelas redondezas e depois ir até lá abaixo outra vez. Criança sofre.
- Beijinhos avó. Disse e sai por onde entrei. Fui à procura dos tios, gémeos mas quase da minha idade mas eles pensam são adultos e eu criança. O Caires e o Leitão estão na esquina. Vasco e companhia, ou sejam os meus tios nada. Acho foram lá para os lados da escola comercial. Um deles me respondeu.
- Obrigado e é bom vos ver.
Me desligaram por completo. Não estava ali nenhum dos meus tios e a conversa já ia ser diferente.
Fui até na Igreja da Lage. O padre Luís Carlos não estava. Pelo menos a porta estava fechada. Eu também não ia falar com ele. Era padre de rock mas eu não me dava a essas coisas e não era Shalon. Na volta da igreja nada deles. Minha vida solitária estava a ser completa. Tinha de fazer todo o caminho de volta a pé, sozinho e eu não sabia os carreiros da cidade. Sentei nos degraus da igreja a pensar. Era mesmo só a imaginar a viagem de regresso, à casa da tia. Bolas, primeiro dia no planalto que até custa respirar e ainda tenho de fazer tudo de volta. Subo até à esquina do Hospital e depois é sempre a descer. Uff, estou com falta de ar só de pensar. E o cieiro está a estalar os lábios. Porque eu me vagabundei mal cheguei?
Sanzalando
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