recomeça o futuro sem esquecer o passado

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30 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 38

Apesar de todos os azares ainda continuo a falar-te mais do mesmo. 
Fixação, chatice, embirração ou falta de saber mais, porque não? Mas é sempre um falar de nós, das lágrimas que te chorei, das palavras que não te disse, das vidas que não te tive e das que gastei. 
Bater sempre na mesma tecla como se fosse uma música monocórdica, uma ferida crónica por sarar. Queria aprender a falar-me de outras coisas, dizer coisas ao mundo, em forma de estória, caderno ou sei lá, mas mal começo e tu estás ali, entrelinhas, nas linhas ou na página branca da minha memória desarrumando qualquer pensamento mais lógico ou frio que eu queira ter.
Fiz-me tantas promessas que não passaram de palavras atiradas a abismos de memória, tal como se eu ainda atirasse pedras da falésia a ver se chegavam ao mar e nem à estrada alguma chegou. Sem+pre fui um azelha na forma de atirar ou de me atirar às coisas.
Juro que eu tento não falar de ti nem de nós. Juro que pedi vezes sem conta a minha independência, mas as estâncias superiores da minha fixação não me a deram. Quis ser tantas coisas diferentes de ti mas o mais longe que consegui estar foi estares dentro do meu pensamento. Como seria se eu tivesse alguma vez entrado no teu pensamento?
Ando para a frente e para trás, o meu quarto tornou-se pequeno porque a minha inquietude engrandeceu. Todos sabem o que quero falar e eu não sei nem como começar nem como acabar. Tu, sempre!
Da janela vejo os pássaros, alguns sei são beija-flôr e outros lhes baptizei de pardal porque nomes não sei, mas nem eles me conseguem distrair as palavras que falam de ti. O meu mundo pelos vistos não tem opção. Talvez no futuro, que eu ainda desconheço.
Monocordicamente escrevo uma canção e ouço um piano nostálgico vezes sem conta nas palavras que te falo.
Não é um drama, é somente uma vontade de gritar que quero ser eu, mais nada.
Queria apenas um abraço. Dos infindáveis, entenda-se. Adia-se.
Onde deixei o cigarro?
Já não fumo, é verdade. Mas as palavras continuam a ser as mesmas.

Sanzalando

29 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 37

Em fim de tarde percorro a cidade vezes sem conta. Sei por onde passarás, sei que olharás para mim. Nem que seja um outro dia. Insisto em ver-te sentada no banco de trás do carro dos teus pais. Teimoso ou apenasmente apaixonado. Pouco me importa.
Caminho para cima e para baixo, já estive na praia sentado no ecrã ao ar livre, me sentei na avenida de baixo da buganvília, fui à rotunda do aeroporto e eletricamente me pergunto porque é que eu gosto de ti. Não sei a resposta. Posso arriscar qualquer coisa, desde dizer que a tua geometria me enche as medidas, que o teu ar terreno é do meu jeito ou que a tua quase não existência é a minha implicância no assunto. Irrequietamente sigo pela beira da estrada até no Benfica e continuo sem ter resposta para me dar. Entro na areia do deserto que começa aqui e tento acarinhar-te mentalmente com pegadas que o vento apagará e mantenho-me sem resposta.
Se calhar são os silêncios com que me abraças todas as noites e por isso durante o dia me dinamizo-me por estas ruas quadradas e quase planas num perguntar sem encontrar respostas.
Afinal de contas pode ser só a coisa mais simples que é o amor à primeira vista.


Sanzalando

28 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 36

Passei o fim de semana como se fosse um gajo livre, apenas preso no amor. Mas hoje é dia de voltar à labuta, laboral e escolar. Às 6:30 já estava no RCM, o meu Radio Club de Mocâmedes. O Sr. Velim já ligou os emissores e eu aqui ligo toda a aparelhagem que tem de aquecer porque neste presente ainda não tinham inventado os transístores e as válvulas eram o pão nosso de cada aparelho. Hoje o sr. Ivo, director desta estação, não tem com quê reclamar. Pontualizei-me e sou feliz porque tive um fim de semana de que não vou esquecer mais.
O Veríssimo já chegou. Hoje é ele quem vai abrir a emissão. Nem Arlete nem Edgar nem o Sr. Costa. Para mim, todas as manhãs é lotaria e às vezes acerto na lotaria dos nomes e outras nem por lá perto. A emissão tem de decorrer tranquila porque eu preciso de manter esta tranquilidade apaixonada porque à tarde tenho aulas e às 13 vou no Liceu continuar a banhar os meus olhos no rosto dela. A publicidade está alinhada, os horários fixados e apontados porque nada pode-me falhar. Ainda tenho tempo para brincar com esses cambas que me curtem porque eu sou um gajo de aparecia bem disposto e gosta de brincar, mesmo quando lá dentro tem fogo de chorar. Depois volto a entrar lá para as 20 e venho fazer o Tic-Tac com o Zé Manel Frota. Eu gosto desta vida cheia e encher de amor os ares à minha volta


Sanzalando

27 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 35

Já sou entrada regular da tua casa. Já passeio contigo no carro. Não é todos os dias mas há dias que sou um arco-iris de felicidade. Eu a teu lado na voltinha do por do sol ou só do entardecer. Eles, aqueles que me gozam podem ver e engolir em seco e pensar que eu consegui, apesar da minha timidez. Eles só não sabem que tu não sabes deste amor que te tenho.
Contigo e tua família comecei a frequentar também a casa do Sr. Tó, conhecido só por Tó Curibeca. Desconheço porque que é assim mas é. Ele é caçador e nós vamos às vezes com ele. às vezes é mesmo ir só ali ver coelhos ou lebres ou com a minha falta de ver à noite tanto pode ser pedra como elefante que eu não vejo. Apenas sei que estou feliz porque estou ali ao teu lado. Outras vezes vamos por aí só até na Praia Azul. Eu feliz porque contigo abri os limites das minhas cidades. Até a minha cidade de sofrimento tem os limites aumentados quando â noite me escondo nela porque disseste alguma coisa que eu não gostei ou não era para mim. Mas hoje estou feliz porque saímos e eu vim no banco de trás a teu lado até nesta praia.
Vamos por esta areia fora, assim num brincar de crianças, saltando ondas, pulando pegadas alheias, correndo, parando. Vamos fazer o que as pessoas fazem numa praia. quando estão felizes.
Eu falo ou me calo, consoante a vontade do momento, tu ouves ou te surdas conforme o vento ou mais importante, tudo depende da tua disposição..
Eu sonho e te conto e nós ouvimos os recados que chegam através das ondas num festival de letras soltas ou parágrafos inteiros. Eu te disse:
- Mas não te esqueças que mesmo que seja a inteligência quem procura, é o coração mesmo que é quem encontra.
Respondeste eu estava louco só porque queria parecer intelectual. Se não foi isso, isso foi o que percebi.
Depois te falei mais pouco porque hoje me apetece mesmo é correr e saltar pelas ondas do mar até gastar estar felicidade que explode dentro de mim e deve durar pouco porque eu daqui a pouco vou errar e tudo vai por água abaixo.
- Olha, senta-te aqui a meu lado a ver se me passa esta tristeza momentanea e inventada com base no futuro e entretanto me conta coisas novas, me fala da Lagoa dos Arcos que foi coisa que eu não sabia tinham inventado na natureza faz mais tempo mesmo ao lado da cidade eu desconhecia por todo que o tempo, me conta da Baía dos Tigres que tem vezes é ilha e eu nunca lhe conheci, me fala do Catrona que eu não sabia lhe tinham descoberto, me descreve o Morro Maluco que eu lhe conheço de ver desde muito longe.
Olha, senta só aqui e me deixa inventar saudades para eu mais tarde sorrir de ver ou só de me lembrar que um dia tudo isto aconteceu na minha cabeça que fica quase louca quando te estou ao lado

Sanzalando

26 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 34

Hoje fim de semanou e o calor aperta pelo que quase madrugada. Ainda não eram 9 horas e já estava eu na praia na proximidade do lugar que tu e os teus pais vão pôr o guarda sol azul. É sempre mais ou menos aqui. Mas mais lá para as 10 e tantas é que chegam. Eu vou desansiar e assim caminho desde a ponte que é velha desde que eu nasci até no estaleiro, que fica para lá da casa onde eu vivi nos andos em que eu não me lembro. Cabeça a olhar na areia como que a procurar algum tesouro ou apenas para esconder o meu olhar de quase morto, fantasma da cidade do Amor. Nem eu sei porque caminho assim, escondendo os meus olhos que têm sabor a mar pelas lágrimas que vertem só por saudade dum agora que é constante. É só uma questão de tempo. Eu te esquecerei como te esqueci já tantas outras vezes, sempre fui assim. Lembro-me apenas porque me mostram fotos tuas e aí, como um despertador, me lembro de todos os abraços, todas as carícias, todas as palavras, tudo o que tínhamos para fazer e não foi feito. Porque nunca tivemos coragem para nos falar de nós?

Caminho me lembrando de todas as ilusões que ainda vão aparecer no meu caminho e eu solitáriamente direi para mim que eu fui apenas mais um amigo para ti. Defendendo-me.

São tantos os que mostram ser teus amigos que eu até da minha sombra me despego por ciúme.

Não sei quando sentirei o teu perfume, quando respirarei o teu ar ou quando me abrigarei dos teus ventos, se alguma vez tu me olhasses como eu te vejo.

Caminho desde a ponte até ao estaleiro de cabeça baixa procurando um tesouro, dentro de mim. Faço o caminho de regresso a olhar para ver se a tua sombrinha já se aponta ao céu.

Na verdade este meu amor é bem maior que eu. Se não o fosse eu já te tinha esquecido, tinha caminhado noutra direcção, tinha visto outras fotos e não tinha acordado para ti.

Te amo mais que ninguém, não existe maior amor que nem o meu. Quantas vezes já ouviste isto noutras vozes e em surdina?

Caminho com olhos a saberem a mar, ou será amar?


Sanzalando

#lugaresincriveis


#lugaresincriveis


25 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 33

A tua mãe me convidou para entrar. Entrei na casa que eu já conhecia dos antigos moradores. Mas foi como que a primeira vez. Eu tremia de vergonha, timidez ou medo. Fosse hoje eu sabia me comportar. Naquele dia era tudo novo e eu nem sei onde por as mãos ou colocar os pés. Acho eles me atrapalhavam só de estar dentro das sandálias. 
Coincidência ou sorte dos deuses que uma lâmpada fez pum e se foi. Me prontifiquei a lhe mudar. Claro, experiência e conhecimento de ver era muita, de fazer nem por isso. Mas de escadote lá fui ber como era o candeeiro, Desci, fui a casa buscar o busca-polos que serve de chave de fende e protege do choque. Truque que aprendi nas minhas horas da rádio com o Sousa Santos ou terá sido com o velho Velim?. Não interessa porque foi com um deles. Desarmei o candeeiro e lá troquei a lâmpada. Subi na pontuação da senhora que eu imaginava um dia ia ser a minha sogra, só que ela ainda não sabia. 
Bebi um café, conversei, falei das minhas notas e do que elas tinham mudado. Eu parecia era um senhor. E fui falando e mais ouvindo. Parecia estava a dar recados de que devia defender a filha e coisas e tal. Eu só pensava como que é que eu vou sair desta tremideira com que me sinto. A menina falava comigo com doçura que eu nunca tinha visto. Ali era ela que ia se declarar a mim, imaginei. Eu tremia e desconseguia pensar. Estava a ser bom demais e eu não conseguia assimilar tudo e pensar no eu que estava ali quase morto. Vergonha não mostrava mas timidez era acentuada e parecia estava a me toldar a mente com cacimbo de inverno.
Delicadamente sai tendo levado dois beijinhos da senhora mãe. 
Esta noite eu não vou dormir. A mãe dela já deve saber o meu gosto pela filha. Como é que vai ser amanhã no liceu?
Adianto que passei a noite a repensar e a rever a conversa da futura sogra que eu imaginava e dormir foi só batido pelo cansaço. Ela me tratou que nem antes. Simpática, mas mais que isso não tenho ideia nem fazia sentido. 



Sanzalando

#comida


#flores #momentos


24 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 32

E hoje fui seguir-te no teu passeio de fim de tarde com os teus pais. Como sempre vais no banco de trás no lado direito, à janela. Acho já conheço a voltinha toda. Será que tu me vais ver? 
Primeira vista que te vi foi junto da oficina da rua das Hortas, naquela que tem machimbombo que parte para Porto Alexandre, do Sousa e do Irmão, assim como tem um mecânico a dar para o gordo e mulato da cor, onde um dia arranjei os rolamentos que tanto queria para fazer o meu carrinho de descer a rua.
Desci mais um pouco olhei a montra de pregos da Casa Soares, que ninguém lembra mesmo era esse o nome e lhe chamavam a loja do Passa Fome. Sim esse mesmo que punha 5 litros de gasolina naquele carro que parecia americano de tão grande e antigo que era, e mais cinco num garrafão para voltar quando ia passear ao domingo com a família. Me disseram, nunca soube se era verdade mas também nunca tive que interesse em confirmar. Mas que era assim que lhe chamavam eu tenho certeza mesmo certa. 
Dei berrida nas minhas pernas e parei na esquina do Pires Correia pois na descida do Impila tu ias passar ali.
menina que a gente gosta não me olha mesmo ou se me olha é muito de viés. 
Em vez de fazer o meu carro de rolamentos vou fazer um 'Carro de Sabão' para bater os gajos da Escola Industrial que têm mania que são melhores que os do Liceu e eu vou ficar famoso e ela me vai olhar doutro modo de ver. Mas que não vão me deixar correr.Tenho mesmo que me ficar pelas corridas da Rua dos Pescadores. Dá cabo dos sapatos, pois os tacões é que são os travões, mas o Estregildo põe novos.


Sanzalando

#flores


#flores


23 de abril de 2021

#flores


#flores


primaverou-se o cérebro 31

Ela hoje ainda não apareceu para lhe ver e assim deu uma saudade assim sem mais nem porquê e, com ela, veio uma vontade de chorar rios de lágrimas, que nem o Rio Bero ia aguentar tanta água castanha. Acho que hoje até ia atirar caniços e outros restos que iam tentar subir na SOS e inundar as fontes da minha inspiração e desesperadamente afogar-me nos meus restos lacrimais.
Um choro de criança sem colo, de medo, de perdido. Assim uma misto de saudade e vontade enorme de poder calcorrear a rua dos Pesacoadres desde o Bairro da Facada até na subida da Helena Rocha, passando pelos hoteis, Loja das Noivas, Zé Côco, Drogaria do Rosas, escritório dos Cavacos, Aeroclube, casa da Dada, do Reis e na do Carriço parar a olhar na tua para secar as lágrimas ou ir para o colo da minha mãe, que me ia contar uma estória qualquer, depois de eu lhe pedir muito, quase em birra.
A seguir íamos rir de falar assunto que parece é tabu mas a conversa se ia esticar até que eu ia ver uma lágrima correr dos olhos dela e pensar que Festas do Mar e nas brincadeiras dela de quando ela era feliz.
De olhos já secos, íamos os dois ficar sentados na cadeira de baloiço da varanda a ver as estrelas e ver quem ia descobrir a primeira estrela cadente e ia ganhar um beijo do outro.
Como sempre em vez de olhar o céu eu ia olhar na varanda da casa ao lado, não fosses tu por lá aparecer.
Hoje deu uma saudade porque ontem não tive tempo de lembrar nas letras e palavras o que eu poderia ter escrito sobre nós, sem imaginar que o futuro seria como é.
Foi na Rua dos Pescadores, 275, que me ensinaram a ter memória e eu comecei a querer imitar o ter talento para um dia poder dizer que choro as lágrimas sentidas dum amor eterno.



Sanzalando

22 de abril de 2021

#mangueira


primaverou-se o cérebro 30

Tantos foram os momentos em que te vi na minha vida, nos versos que te fiz e os meus amigos te cantaram, que quase podia dizer que sonhava contigo mesmo estando acordado e a teu lado. O teu sorriso de lábio fino, a tua calma aparentemente inerte, os teus olhos não mostrando sentimentos, mesmo assim se a minha vida tivesse terminado num daqueles momentos eu diria que tinha morrido feliz por te ter conhecido. Tal era a força do meu amor, o poder sentir-te na minha alma, o meu desejo ardente de ser feliz a teu lado, a minha caminhada diária de esperança que um dia te conseguisse dizer que te gostava, faziam sentir que a tua frieza mais não era que uma defesa que havias montado para te defenderes de uma qualquer desilusão. 
Honestamente te gostei como nunca havia gostado até aquela altura e já tinha morrido de amores várias vezes, pensava eu.
Como eu queria ser o teu timoneiro, companheiro amante duma vida futura. Me enrolei em fantasias e desenhei corações nas nuvens que inventei. Tanta coisa fiz para te agradar e nunca te magoar. 
Olhando deste futuro, miradouro do meu passado, pequei por amores descomprometidos num doce viver de sofrimento por não ter conseguido nunca dizer-te a alma que eu trazia.


Sanzalando

21 de abril de 2021

#lugaresincriveis


primaverou-se o cérebro 29

Naqueles dias em que eu não te vejo dou comigo feito vagabundo da minha mente, indo por aís como se procurasse um porto seguro uma minha cidade nova de Calma. 
Me sento a ver o esse mar que me leva daqui até onde está a minha alma viajando futuros. 
Amar-te assim feito doença é uma prerrogativa amorosa torturante, asfixiante e se calhar até capaz de ser loucamente mortal. Imagino-me, aqui sentado, como terá sido a ansiedade que senti daquela vez que me abriste a porta, após tanto tempo, e te dei um beijo na face com a ternura duma paixão. 
Lembro-me que o cérebro ferveu e o coração fugiu-me assim como o chão onde eu me erguia feito herói. Transpirei num fervilhar de emoções. Já foi tempo a mais de intervalo, mesmo que tenha sido escolha minha deixar a porta fechada e segurando a maçaneta timidamente adiando a reabertura. Esse futuro que me faz sofrer no tempo presente.
Será que tenho medo que as minhas bases tremam até ao desabamento do meu pesado corpo?
Será que não consigo cumprir as promessas que fui fazendo?
Aqui sentado, ouvindo o mar, me encho de perguntas das quais não sei se quero saber a resposta. 
Aqui sentado me esqueço da sensação de queda livre num sonho sonhado em páginas de horas sem fim.
Tudo é real. Tu és real e eu sou fruto imaginário da minha pequena realidade.
Aqui sentado, ouvindo o mar marulhando contra as pedras que me protegem, tenho medo de reabrir a porta das feridas que cicatrizei. 
As minhas mão estão suadas e o meu coração bate fortemente que nem sei se um dia ele vai aguentar bater tanto assim.
Foste, és e serás minha enquanto eu tiver capacidade de sonhar e de ver através dos meus olhos fechados que estás ali, do outro lado do mar.



Sanzalando

20 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 28

Hoje é domingo e como sempre fazes nas manhãs de domingo tu vais jogar ténis, com o teu fato de saia curta e rica em folhinhos, no campo do clube nautico. Também não sei se a nossa cidade tem outro campo para além deste. Desconheço totalmente porque nas minha vadiações nunca vi outro noutro lugar. O ténis eu sei que é jogo que não entra na minha classe, desconsigo ter classe para poder estar ali de raquete caríssima a dar chapadas na bola cara num terreno de areia vermelha bem batida e todo eu vestidinho de branco. Era demais para o meu lugar de estar. O Sr. Maurício, do alto dos seus muitos anos joga de calças compridas e na moda porque muito largas. Tem classe. Tu hás-de ter classe porque pões classe em tudo o que tocas. Um dia, se me tocares, eu vou ter classe. Sei de pensamento feito.
Mas enquanto te espreitei do lado da linha de comboio não fiquei cansado. Foste descansar e eu fui passear. Não queria que me descobrisses desse lugar incógnito. Dei a volta e fui espreitar a ponte velha e olho o longe mar desde aqui da ponte velha. 
De verdade eu lhe conheci ela já era velha e me morei mesmo perto dela. Hoje ela continua velha. Se eu fosse mais velho eu ia dizer que ela nunca trabalhou porque eu nunca lhe conheci a trabalhar. Só serve mesmo é para dar mergulhos e apanhar mexilhão. Pelo menos é só assim que eu lhe conheço. Se calhar já vi aqui alguém de fio de pesca a apanhar mariquita e balhacu ou pomposamente peixe balão. Também nunca vi ninguém pescar outra coisa, porque todo o peixe que conheço é mariquita e de ouvir o Raul Gomes a morianga. 
Mas a verdade é que hoje estou na ponte velha que está mais velha mas ainda não tão velha que eu lhe chame de ruína arqueológica, só para ver o mar e não estar para aqui a fazer filosofia de pesca nem esquecer o que eu deixei no campo de ténis. Foi lá longe faz poucos anos que tu nasceste e para aqui vieste feita bébe por isso dizes que és daqui. Para mim és e ponto final nessa localização.
Mas eu vim aqui olhar o mar e chorar por causa dum futuro que eu criei e antecipadamente choro sem parar nas tábuas carcomidamente velhas desta ponte velha porque vou ter lembranças que volta e meia vêem à cabeça faz de conta é martelo a te recordar de pessoas e gentes que não sabes mais o que é feito delas por causa dum amor que não foi de sucesso.
Olho à volta e se dum lado vejo areia, doutro pedras, em frente eu vejo mar azul sarapintado de barcos parados faz tempo querem descansar, mas não tenho onde me deitas sem me sujar dessas lembranças ausentes.
Aqui na ponte velha, mais velha que o meu tempo, recordo o Drs. Brandão, Balsa, Resende, e esposa do Dr. Coutinho, a Dra. Lucília Rocha, a Elsa. Nunca foram meus professores. Não sei se eram bons ou maus profs como se diz agora. Sei que nunca apanhei com eles nas aulas e não sei neste futuro eu me lembrei desse passado em que também não os apanhaste como professores.
Olho para mais longe, quero fugir deste choro calado que me veio à lembrança e vejo lá longe um barco grande que parece se vai embora. De que cor estão os meus olhos agora? pergunto-me sem se quer saber que os olhos brilhantes de lágrimas continuam a ter a mesma cor de olhos de outras horas.
Deitado na ponte velha, passo horas a pensar, está tudo sem cor porque eu vim aqui para ver o mar e chorar e afinal eu estou a me lembrar de gente que nem conheço ou alguma vez se apercebeu que eu existia. 
Não existe mais cor no lugar que eu olho de lembrança esquecida que me recordo desde aqui na ponte velha que eu conheço já velha.
Volta devagar pela linha de comboio para te admirar na beleza de estares a jogar ténis com o teu fato de folhinhos. 


Sanzalando

19 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 27

Se estava sol ou cacimbo era matemático que eu ia estar sentado numa das esquinas que o boca de sapo ia passar por volta do pôr do sol. Lá ias tu sentada no banco de trás e sempre do lado esquerdo. Eu te via e nunca soube se tu me vias. Era o meu momento de meditação ao que se seguia a excitação de felicidade de ter ter visto.
Eu não sei se era por respeito, medo ou só porque sim que tinha a preocupação de esconder o cigarro que fumava desalmadamente. A tua mãe sempre me sorria. O teu pai me acenava com delicadeza. Tu, nunca descobri o que é que acontecia dentro da tua cabeça.
Quando chegava o fim de semana e as voltas me baralhavam entrava numa tristeza que parecia de funeral. Contava anedotas mas me sentia triste. Se era verão tinha a felicidade de te ver no teu biquini debaixo da sombrinha azul frente ao Clube Náutico. Se era cacimbo era a incógnita de estar à varanda a ver se ias sair. Era triste e ansiosa a minha vida de adolescente que não sabia o que te passava pela cabeça. No entanto e para contradizer-me passou a ser feliz e contente com a volta que me havias feito na minha maneira de ser e pensar. A vida passou a ser vista de outra maneira. Por acaso até os amigos se foram mudando, um a um lentamente foram trocados por outros, mais de acordo com a tal mudança que me acontecia. 
A chaminé é que não mudava. Fumava como se fosse a última coisa que eu ia fazer. Nos momento de esperança parecia ainda era mais.


Sanzalando

#lugaresincriveis


17 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 26

Tendo vivido como vivi, gasto o tempo como o gastei, ganhando e perdendo amigos o difícil foi mesmo ter-te perdido como perdi. Durante anos falámos diariamente sobre tudo e sobre nada, entreolhávamo-nos com cumplicidade sem nunca termos trocado palavra sobre assunto sério e delicado. Eras uma princesa e eu teu escravo. 
Juntos na escola e na saída, ao fim de tarde e no cinema, no passeio e na praia. Viciei-me em ti. Pensei-te tantas horas que a distância que numa altura nos separou fez como se amor fosse doença sem cura, sono sem dormir, noite de fantasmas e pesadelos. Torturei-me até à negação da minha existência. Virei lugar comum, parte insignificante do tempo.
Compliquei-me na multiplicação dos queres. Queria o que não tinha e esquecia o que considerava certo. Afoguei-me na realidade no dia que viraste-me as costa como se eu nunca tivesse existido. Desmultipliquei-me em desculpas e perdões e quem sentiu mais falta de mim fui eu.
Nunca soube, depois desse dia, como olhavas o espelho ou o que pensavas. Nem hoje o sei e sei que nem amanhã saberei, porque é teu timbre, se sofreste o fizeste sozinha e se não, não o disseste também a ninguém.
Foste feliz? Não sei. 
Apenas sei que muitas alegrias, muitas quedas, muitas lágrimas e gargalhadas depois eu sei sorrir e olhar para trás e dizer: fui vivo e estou-o, feliz comigo agora, depois de não saber se sobreviveria sem ti.


Sanzalando

#lugaresincriveis


16 de abril de 2021

#imbondeiro


primaverou-se o cérebro 25

E foi assim, nos meus altos e baixos da vida, inconstantemente sereno e conhecedor dela que me fui fazendo quem sou.
De amor em amor fui saltado, como a maioria me fui separando, sempre morrendo de amores e saudade. Tanta saudade da conversa deitada fora, da procura dos momentos comuns de felicidade, do companheirismo, das amizades conquistadas e das trocadas.
Cada um para seu lado, por vezes um telefonema caído do céu marcando um tempo que foi, uma página virada, uma estória contada.
Saudades de ver fotografias à tanto postas num canto do esquecimento que já nem lembra onde estão. 
E foi assim que cresci, do menino das sandálias que tinha muitas cidades, desde a Imaginação à Saudade, da Real à futura, que se perdeu e se reencontrou tantas vezes quantas as necessárias, feliz à sua maneira, sorridente ao seu modo e na minha óptica, um gajo porreiro que não atingiu a glória mas fez-se sucesso.



Sanzalando

15 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 24

E todos os dias eram dias especiais. Eu olhava a janela ou a varanda, ouvia a mini-honda, eu era feliz. Não sei precisar o tempo que passou entre a gravidez da tua irmã que nasceu já parecia era tua filha e as noites de caça a ver o tempo passar. Foram tantos os momentos de alegria e felicidade que nem consigo lembrar as noites de solidão que no meio havia. 
Te queria tanto que acho te conhecia até só saber que olhavas a lua e me desejavas ver nela. A nossa história era tão linda que não devia ter palavras para descrever. 
O mundo mudou e o meu, por te ausentares para longe, acabou. Enlutei-me. A tristeza tomou conta da minha alma, mesmo quando eu ria era com vontade de chorar. Os dias se cinzentaram, um atrás do outro, até que veio uma noite dentro de mim e fugi. Eu queria estar ao pé de ti. Longe do ali que era o meu porto de abrigo. Fugi longamente até voltar a ver-te. Te amei sem ter coragem para te dizer e sem ter força para me contrariar na negação dessa vontade.
Voltasse atrás o tempo e eu não me tinha deixado acinzentar e tinha desde logo posto um lugar de pé alto para mim e te ver de igual.
Foi difícil até deixares de falar comigo.
Foi difícil até me dizeres que não me conhecias.
Foi difícil não me ter chegado à glória depois de te ter gostado como gostei.

Sanzalando

#instantes


14 de abril de 2021

#flores


#flores


primaverou-se o cérebro 23

Vivendo na ilusão fui deixando crescer em mim esse sentimento que paralisou a minha capacidade de pensar. Íamos no barco à vela e eu ficava ruido de inveja não ser eu o que sabia de navegação. Era só o pau de vassoura que levava com a retranca na tola a olhar para ti distraído. Acho havia um acordo entre vocês e a retranca... 
Eu era mesmo pequenino a pensar. Dizer que te gostava é coisa que eu não conseguia. Fazia filmes na minha cabeça, daqueles que víamos no Impala, nos lugares marcados de assinatura. 
Sabes, eu acho o teu pai gostava de mim. A tua mãe também. Tu?! Nunca soube.
Era tão fácil dizer que te gostava e estranhamente me calei anos. 
Recomeçadas as aulas e alegria de te ver todo o dia. Era feliz e sabia. Entristecia quando do alto da tua altivez me punhas num lugar de canto, às vezes sem falar, só mesmo de olhar.
Adolescente que queria ser adulto ao mesmo tempo. Baralhei emoções e criei revoluções sem ter largado os calções de ser eternamente criança. Eu era assim e ia fazer mais como?

Sanzalando

13 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 22

Se eu fosse um erudito eu ia dizer que as árvores nascem em qualquer lugar menos no gelo e nos picos mais altos do  mundo. Ao que me apetece juntar a pergunta se o amor por mim podia nascer em ti? Tem dias que a tua maneira séria de ser parece imperturbável a acontecimentos mundanos como o simples gostar de mim. Se eu insistir na minha presença perto de ti tu vais ver eu estou aqui ou não passarei de erva rasteira pisável? Se eu fosse filho de rico tu ias olhar para mim com olhos de ver?
Eu sei que minha mãe sai cedo para ir trabalhar, no mini que acho tem velocidade máxima de 30 e três mudanças para a frente e um filho para fazer a marcha-atrás. Depois deu eu tirar o carro da garagem lá ia para o meu posto de controlar descontrolar a minha linha de pensamento.
Era dia de alegria se por acaso tu fazia o simpático aceno de bom dia. Eu até pensava tu sabias eu gostar de ti.


Sanzalando

12 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 21

E cada dia novo lá ia eu fazer a minha vigilância marcada à casa da vizinha.
Ela aparecia no quintal e eu rejubilava que até parecia tinha ganho a lotaria. Eu me dizia que estava a ser criança. Mas cada vez parecia era pior. Mais doía eu poder vê-la e não lhe dizer eu estava ali. Tenho a certeza que se ela soubesse deixava de aparecer no quintal ou na varanda. Só mesmo para me fazer sofrer, só mesmo para ver se eu me humilhava e mandava a minha dignidade às urtigas e lhe pedia de joelhos para ela não desaparecer da minha vista. O meu amor era o maior dos meus orgulhos. Amava-a para além dos meus limites e egoísmo.
Ela me era superior no olhar-me e não me ver, no saber de mim e desconhecer a minha existência. E eu amava-a cada vez mais. 
Eu endivida-me de amor pois concentrava todo na mesma pessoa. Desvivi-me por completo. Foi um setembro que era uma tortura negra.


Sanzalando

#lugaresincriveis


11 de abril de 2021

#flores


primaverou-se o cérebro 20

E passado Agosto e ouvi a mini-honda a andar. Corri na janela e e lhe vi entrar na casa nova. Finalmente ela tinha chegado. Ela estava ali no palmo do meu olhar. Estremeci e cantei-me uma canção de alegria. 
E agora como caio de casa? Lhe perco de vista e eu sei o que é que isso me custou.
Na verdade eu tenho medo de lhe amar de amor verdadeiro como essa doença que eu tenho. Como é que eu posso evitar? E agora ainda por cima morando ali mesmo ao lado. Tu, charmosa e quase perfeita, única ao meu olhar, quase me pareces dizer para te amar. Ordenas-me amor.
E eu, com tanto medo que nunca fui capaz de te o dizer. Não sou suficiente alguém para te dizer, para te gostar. Tanto problema para mim.
Eu só tenho é vontade de estar contigo. Agora como é que vai ser a minha vida para além desta luta perdida desde antes de ter começado?


Sanzalando

9 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 19

E os dias se sucediam e ela não vinha morar para a casa nova. Chegou Agosto e para meu desgosto, pela primeira vez na minha vida, eu não tinha vontade de subir no planalto e gozar as minhas férias. Só podia ser doença.
Contrariado lá fui, fazendo uns interlúdios com a minha rádio de sempre, ao mesmo tempo que vagabundava o corpo por zonas anuais e habituais. As mapundeiras desligavam-me eu não lhes ligava, estava amarrado a cais seguro, dizia-me eu mesmo. As férias eram um pesadelo, um arrastar de tempo. Quem havia de dizer que eu me desmentia do resto da minha passada vida? Como são as coisas.
Na verdade toda a gente sabia desta minha desesperada doença menos ela, claro. Se ela soubesse eu ia fugir nem que fosse dar a volta ao mundo. hummm...

Sanzalando

8 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 18

Certo é que melhorei a minha relação comigo. Esplanada reduzida, bilhar quase a acabar, cigarros mantinha ou aumentava conforme a ansiedade da janela ou varanda. E ela não havia maneira de aparecer. Até parece eu fiz um curativo que não deu certo, um sangrar que não pára, uma ferida que se reabre a cada espreitadela. Todos os dias de um mês foi assim, acordar e ver se era o tal hoje que eu ansiava. Achei que se eu me tivesse atirado duma falésia ia doer menos que tanto amor em espera.
Era amor, eu sei. 
As férias tinham começado e os dias se seguiam e eu não a via, nem nos passeios de fim de tarde. 
Que é que aconteceu? Me perguntei umas tantas vezes por minuto. 
Hoje sei , foi amor mesmo.
Na esplanada da Oásis já todos brincavam comigo. Eu deixava transparecer o meu estado. Inacreditavelmente eu caía rendido ao coração.


Sanzalando

7 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 17

E assim foi a minha vida missionária. Curta, rápida e sorridente, porém aprendi a passar Certidões de Nascimento a quem tenha sido baptizado e que a paróquia tinha um registo muitos completo dos nascidos naquela pequena e bela cidade que me dera abrigo depois de me terem obrigado a nascer num planalto uns quilómetros acima. 
Foi depois desta minha incursão na vida religiosa, iniciada primeiro pelo santo sacrifício da saída da missa e depois por participação activa na vida da igreja que tantos dias passei a sonhar com minha futura vizinha, a ver-te no meu mundo estrelado, no brilho do meu sol, na minha realidade imaginária, na minha vida futura, mesmo que não tivesse coragem para te dizer estas coisas.
E pinta dali, descarrega mais isto, e arranca mais aquilo e tu não vinhas. A minha varanda passara a ser um miradouro onde eu passava as santas tardes que outrora gastara na esplanada ou numa mesa de bilhar. Era um miradouro virado para o vazio visual.


Sanzalando

6 de abril de 2021

#selfie


primaverou-se o cérebro 16

E tua não havias modo de aparecer. Descarregar mobília, trazer coias, mas pessoas ainda nada. Eu me pensei que fui só enganado a ouvir o que queria ouvir e não a ouvir o que de verdade disseram.
Eu ali te esperava, eu pensava tinha tanto para te dizer e não sei se sabia as palavras ensaiadas tantas vezes na minha cabeça. Eram doces as minhas palavras. Eram música os meus pensamentos. Era tremideira o meu corpo. 
Eu tinha tanto para te dizer nas boas vindas à rua novamente movimentada que não sei se tinha palavras para dizer o tamanho do sentimento que eu sentia.
Ainda hoje, tão longe daquele tempo, eu consigo ver os meus lábios ficarem colados e calados por falta de palavras que queriam vir para a rua. Mas isso é hoje e eu ainda estou lá, na minha cidade Real com uma vontade enorme de fugir para a minha cidade Solidão.
De todos os meus péssimos defeitos até às minhas melhores qualidades o que eu sempre detestei foi ser desgostado. Eu te gostava e muito e não sabia o teu gosto por mim. Acho eu te desgostava dessa forma de amor que eu pensava existir em nós. 
Por uns agoras fugi para a minha cidade Solidão, escondendo-me da ansiedade de te ver chegar, de me afastar dos tropeços mentais que as minhas pernas sentiam ao caminhar por frente à tua futura casa a ver se tu já lá estavas. Eu precisava de te sentir ou ver.
Aqui refugiado eu revi onde tinha falhado. Desde a casa da praia de que me lembrava vagamente de uma ou outra coisa sem conseguir pôr num calendário em ordem até aos dias daquele hoje eu me revi a ver as falhas. Eram muitas mas não merecedoras de tantos não. Ajudei na missa ao senhor padre até me convidar a não voltar quando uma vez eu tropecei no fato que me vestiram e era comprido e a água e o vinho se espalharam no altar e eu ria que parecia estava a ver um filme do Charlot. Tanto ri que o padre Noronha com a voz parecia era trovoada me disse sai e eu sai para não mais voltar.


Sanzalando

5 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 15

Eu só podia dizer, visto daqui neste agora, eu estava doente de amor. Já não era choro de alguns dias, já não era saudade de uma noite. Era mesmo paixão de caixão a cova. Eu tinha uma enfermidade. Só podia. 
Deitava-me a pensar nela e ao acordar eu lhe olhava na minha imaginação espelhada na memória e me sorria feliz. Tinha ganho uma noite para o resto da minha vida. Era assim a minha felicidade matinal. Com rigor me preparava para ir para o liceu e aí sim podia usufruir dela, da imagem dela em tempo real e verdadeira.
A minha vida, caótica e desajeitada estava a dar lugar a uma arrumação até por mim duvidada. Estava com a cabeça em ordem. Tinha encontrado a minha porta para o céu nos teus braços. Minha timidez e o meu medo me impediam de te dizer. Te olhava e te admirava. 
Um dia, após tantos de admiração e perseguição de olhares e saberes de onde estavas e por onde passavas, me disseste sorrindo que ias mudar para a casa ao lado da minha.
Nesse dia, tu não sabes, deixou de haver tempestades, infernos ou fantasmas. Eu, acho agora, encontrei a felicidade. O meu corpo sofreu um tremor de interiores que nunca mais teve reparação possível. Eu encontrei a porta para a eternidade, pensava eu.
Quando comecei a ver a movimentação de mudança, a rua que passara a estar deserta em fim de tarde reabriu-se ao publico. Já não havia esplanada ao fim de tarde. Já não havia bilhar nem perde paga. Eu regressei à minha rua. Rejuvenesci a minha rua porque trouxe o Douglas, Fonsecas os Martins todos para a rua outra vez. Qual Fénix qual quê?! Fui eu quem regressou à vida e a minha rua veio comigo.


Sanzalando

#lugaresincriveis


4 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 14

Assim fui passando a idade de aprendizagem. Idas aos liceu onde passei a ser até bom aluno. Tendo levado porrada por ter dispensado do exame do 5º ano. Sério.
Cheguei em casa e mãe perguntou:
- Saíram as notas?
- Sim. Dispensei de exame! respondi secamente ao mesmo tempo que fui para o meu quarto deixar as lágrimas saírem pela cara, mais uma vez por coisas de coração. Ela me disse que eu não tinha ficado no Quadro de Honra e ela sim. Me deu uma tristeza que até hoje ainda dói só de lembrar.
Minha mãe não sei que é que pensou, se meteu no carro e foi no liceu confirmar. Eu não adivinhei, só dei por ela quando ela entra no quarto passado algum tempo e me deu uma chapada com as suas lágrimas de pensar que eu a tinha enganado. 
Mas tristeza durou como sempre, aquele tempo necessário para eu ir na Oásis e jogar bilhar. 
Mas quando é que foi que eu disse que lhe gostava? Nunca. Porque é que ela me ia atirar assim do Quadro de Honra? Descompreendi. Eu lhe devia dizer que não conseguia viver sem lhe ver mas apenas virei as costas e fui para casa chorar.
Com tantos planos para a uma vida, logo eu iria fazer um para mim que passasse por ela. Escrevi Cafrondi, mais uma sebenta vermelha de poemas meus que lhe fiz e por acaso lhe dei. Nunca percebi onde lhe fui buscar o nome mas de certeza eu queria dizer me confundi e lhe entreguei sem fazer cópia ou saber se quer o que estava a fazer. Dei com sentido amor. Só de dar.
Podia ter passado aquela fase de aprendizagem sorrindo, disfrutando os momentos de grande alegria, amar o mundo num todo e não só numa menina que não adivinhava que eu gostava dela. As outras eu esqueci e não sei me esqueceram ou não. Perdi o máximo para tentar conseguir ser feliz com aquele mínimo. 
Afinal de contas a vida é isso, um capítulo de cada vez. Eu ia aprendendo sem ter usado o piloto automático. Era no físico mesmo, nas mágoas e cicatrizes da alma ferida neste combate desequilibrado. Eu perdia, para variar.


Sanzalando

#selfie


3 de abril de 2021

#comida


#pordosol


primaverou-se o cérebro 13

E conforme iam subindo as hormonas, o pelo da barba aparecendo em várias mesas de sueca como pequenos tufos imberbes, a cabeça foi-se ajuizando no conjunto de regras quase leis mentais e a voz foi-se adultizando que até já conversava com mais velhos sem ser das futilidades do dia a dia. 
A esplanada continuava a seu esse pequeno defeito assim como as partidas de bilhar a seguir ao almoço. Mais velhos batotavam e os mais novos em alta berraria jogavam ao perde paga ou a pino. 
E nesta amalgama de crescimento e ajuizamento foi-se acrescentando um coração lacrimejante de amor. Nada de anormal para a idade, digo agora eu. Mas na altura eram tempestades mentais que me levavam a fugir para cidades várias, desde a Imaginação e à de Fantasma, bem como outras de menor dimensão e menos populosas e expressivas no divagar da vagabundagem mental. Tudo parecia correr mal. A água salgada que chorava em silêncio eram de dor silenciosa, uma dor de sabor a mar. Na verdade era uma semana de paixão e de dor, alternando com alegrias tintas. Cada vez mais dizia-me que assim, solitário e obscuramente apaixonado, era um modo de vida que eu tinha escolhido. Mas mal sabendo que esse amor não era correspondido todo o castelo de defesa se desmoronava tal qual um castelo de cartas e lágrimas. Assim eu tinha decido que jamais compartilharia o meu coração com quem quer que fosse. Uma semana durava a jura. Entregava de bandeja o meu coração e não calhava à correspondência. Afinal de contas eu queria dar mas desconseguia entregar o coração a quem quer que seja. 
O crescimento devia ter sido travado porque um homem não devia sofrer assim. Pensava eu todas as noites, mas todas as manhãs lá voltava a sofredora normalidade. Será que amarei assim perdidamente sem correspondência ao longo da minha longa vida? Tantas vezes este pensamento ocupava as minhas horas cada vez menos livres.
Passei a ser bom aluno e trabalhava. O mais jovem operador de som e com futuro promissor, poenta e sofredor. Tanto verso chorado, tanta canção serenatada nas noites de luar. Eu não cantava, eu servia de osso no caso de haver cão. As violas eram do Amorim e Mané VP. Eles eram josé Afonso, Adriando Correia, Sergio Godinho, eu mesmo, e deslembro mais quem. 



Sanzalando

#flores


2 de abril de 2021

#momentos


primaverou-se o cérebro 12

Mas o tempo passado com os mais velhos no Rádio Club bem como o lidar com gente crescida fora daquele bando esplanado numa pastelaria dia e noite começaram por dar uma maturidade que se ia vendo a olhos de ver.
As regras assim por um acaso foram desabrochando dentro da cabeça, travando a imaginação e apagando fantasmas, criando hábitos até então completamente desconhecidos. O bicho do mato que fazia o que queria passou a ter um certo cuidado até no vestir e falar, no comportamento e no estar. Grande volta até à volta grande.
Quem diria que o filho-da-lavadeira ia ser gente de falar e cumprimentar?
No liceu comecei a modificar toda uma série de coisas desde a não ter ausências até a captar as ordens imanadas dos profes. Quem haveria de dizer. Mãe estranhou e até começou a ficar preocupada com o que ela estava a vislumbrar. Filho se mudou.


Sanzalando

#lugaresincriveis


1 de abril de 2021

Primaverou-se o cérebro 11

Mas estas estórias apenas fazem parte dum espólio delas que muito contribuíram para o vagabundo que se estava a formular naquelas cadeiras e agarrado aquele taco que espirrava por falta de gis. Tantas horas ali desconversadas, tantos contos, fábulas e exageros ali ouvidos
Depois de passar umas semanas a vender fruta na quitanda da Laurinda ou de revelar fotografias tipo passe na casa de fotografias que o Bauleth montou por trás da casa das noivas e cujo o fotografo e único empregado me esqueci do nome. Fruto de não usar a memória nas tertúlias dos agora mais velhos que na altura presenciaram essa minha revolução hormonal e evolucional.
Por mais que eu tentasse não passava dum transparente da minha cidade. Desnotado e desqualificado por todos, porém qualificado de muito ajuizado por alguns pais a quem sempre mostrei muita educação e cordialidade. Era um doce de moço escondido atrás duma enorme timidez e duma raiva supergrande de não ser realmente grande. 
Os poemas de amor e lágrimas escritas na Sebenta de capa vermelha, que deram algumas músicas cantadas pelo Amorim e Manel VP, que até passavam na rádio quando eu estava de serviço, escondiam esse sede de ser grande por coisas bem feitas, enquanto o vadio e faltoso do liceu ia progredindo na esplanada da Oásis e mesas do AeroClub. 
Pequenos dragraus que poderiam dar para qualquer lugar ou virtude

Sanzalando