A Minha Sanzala

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20 de abril de 2021

primaverou-se o cérebro 28

Hoje é domingo e como sempre fazes nas manhãs de domingo tu vais jogar ténis, com o teu fato de saia curta e rica em folhinhos, no campo do clube nautico. Também não sei se a nossa cidade tem outro campo para além deste. Desconheço totalmente porque nas minha vadiações nunca vi outro noutro lugar. O ténis eu sei que é jogo que não entra na minha classe, desconsigo ter classe para poder estar ali de raquete caríssima a dar chapadas na bola cara num terreno de areia vermelha bem batida e todo eu vestidinho de branco. Era demais para o meu lugar de estar. O Sr. Maurício, do alto dos seus muitos anos joga de calças compridas e na moda porque muito largas. Tem classe. Tu hás-de ter classe porque pões classe em tudo o que tocas. Um dia, se me tocares, eu vou ter classe. Sei de pensamento feito.
Mas enquanto te espreitei do lado da linha de comboio não fiquei cansado. Foste descansar e eu fui passear. Não queria que me descobrisses desse lugar incógnito. Dei a volta e fui espreitar a ponte velha e olho o longe mar desde aqui da ponte velha. 
De verdade eu lhe conheci ela já era velha e me morei mesmo perto dela. Hoje ela continua velha. Se eu fosse mais velho eu ia dizer que ela nunca trabalhou porque eu nunca lhe conheci a trabalhar. Só serve mesmo é para dar mergulhos e apanhar mexilhão. Pelo menos é só assim que eu lhe conheço. Se calhar já vi aqui alguém de fio de pesca a apanhar mariquita e balhacu ou pomposamente peixe balão. Também nunca vi ninguém pescar outra coisa, porque todo o peixe que conheço é mariquita e de ouvir o Raul Gomes a morianga. 
Mas a verdade é que hoje estou na ponte velha que está mais velha mas ainda não tão velha que eu lhe chame de ruína arqueológica, só para ver o mar e não estar para aqui a fazer filosofia de pesca nem esquecer o que eu deixei no campo de ténis. Foi lá longe faz poucos anos que tu nasceste e para aqui vieste feita bébe por isso dizes que és daqui. Para mim és e ponto final nessa localização.
Mas eu vim aqui olhar o mar e chorar por causa dum futuro que eu criei e antecipadamente choro sem parar nas tábuas carcomidamente velhas desta ponte velha porque vou ter lembranças que volta e meia vêem à cabeça faz de conta é martelo a te recordar de pessoas e gentes que não sabes mais o que é feito delas por causa dum amor que não foi de sucesso.
Olho à volta e se dum lado vejo areia, doutro pedras, em frente eu vejo mar azul sarapintado de barcos parados faz tempo querem descansar, mas não tenho onde me deitas sem me sujar dessas lembranças ausentes.
Aqui na ponte velha, mais velha que o meu tempo, recordo o Drs. Brandão, Balsa, Resende, e esposa do Dr. Coutinho, a Dra. Lucília Rocha, a Elsa. Nunca foram meus professores. Não sei se eram bons ou maus profs como se diz agora. Sei que nunca apanhei com eles nas aulas e não sei neste futuro eu me lembrei desse passado em que também não os apanhaste como professores.
Olho para mais longe, quero fugir deste choro calado que me veio à lembrança e vejo lá longe um barco grande que parece se vai embora. De que cor estão os meus olhos agora? pergunto-me sem se quer saber que os olhos brilhantes de lágrimas continuam a ter a mesma cor de olhos de outras horas.
Deitado na ponte velha, passo horas a pensar, está tudo sem cor porque eu vim aqui para ver o mar e chorar e afinal eu estou a me lembrar de gente que nem conheço ou alguma vez se apercebeu que eu existia. 
Não existe mais cor no lugar que eu olho de lembrança esquecida que me recordo desde aqui na ponte velha que eu conheço já velha.
Volta devagar pela linha de comboio para te admirar na beleza de estares a jogar ténis com o teu fato de folhinhos. 


Sanzalando

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